Apesar da frase curta do poeta Rumi, o seu significado leva a profundas reflexões.
Como seres humanos, naturalmente, tendemos a buscar uma vida hedonista, nos rodeando de todo tipo de prazer, como o bem-estar, o comer e beber bem, a satisfação dos desejos da carne, do ego, e da posse de bens materiais. Procuramos nos sentir importantes, invejados, privilegiados e felizes a qualquer preço.
Se a nossa natureza busca o que faz feliz, de que maneira podemos nos sentir gratos por aquilo que fere? Fugimos do sofrimento assim como o Diabo foge da cruz. Quase ninguém, em sã consciência, deseja qualquer situação que provoque dor e então a ferida, por onde em si, se fará luz.
Há muita sabedoria e verdade na frase de Rumi, quando refletimos sobre ela e toda a veracidade com que ela acontece em nossas vidas. Buscamos sim o crescer e evoluir, conforme amadurecemos. Mas quantos de nós reflete sobre o que significa este caminho, de verdade? Qual é o preço que se paga para se receber a luz? Se tornar luz?
Não conheço ninguém que não tenha ferida alguma. E elas costumam doer tanto para quem as carregam, que quase sempre são escondidas e disfarçadas, ao mesmo tempo em que estão lá: latentes e vivas como um dedo que acaba de ser queimado.
Ninguém deseja perder um filho, um ente querido, como nenhum ser humano quer passar por uma experiência de violência, humilhação ou privação. Mas são as dores que nos trazem luz. De que maneira? O que isso quer dizer?
A alegria e a felicidade nos deixam em zona de conforto, física, emocional e psicológica, não nos instigando a refletir a fundo sobre a vida. Já a dor da perda, de um trauma, ou de uma culpa, nos leva a reviver a dor por inúmeras vezes, pensando sobre onde se errou e em que momento poderia se ter evitado o caminho que levou àquele fim. Quem erra, reflete o erro. Quem acerta, celebra o acerto e segue em frente. O erro nos faz ficar estagnados no mesmo lugar, até que se aprenda a lição que deve ser aprendida.
Uma vida repleta de alegrias e sem problema não existe, mas caso existisse, não permitiria crescimento. Quando estamos bem, não sentimos a necessidade de pensar, de mudar e transformar uma situação em outra. Se sinto prazer, a troco do que mudaria esta situação? Porém, se sinto dor, farei de tudo para sair daquele instante. Por mais que doa, inúmeras tentativas ocorrem e em algum momento me verei obrigada a enfrentar os demônios em mim mesma, de meus próprios desacertos, para escapar do sofrimento. E assim a luz se faz.
É a dor que nos transforma, nos faz crescer e nos fortalece, seja ela qual for: a traição de alguém que se ama, a ausência de um pai ou de uma mãe, o abandono, a rejeição ou a culpa de se ter feito mal a alguém: o peso que se carrega das próprias imperfeições. Somos humanos, seres errantes, em busca de algo maior, de uma forma de vida de nós mesmos, onde não haja tanta dor e pequenez. E o belo paradoxo é este: somente enfrentando a dor é que aprendemos a viver com ela de mãos dadas. E depois disso, descobrimos que é uma bela lição de vida.
A dor, quando verdadeiramente encarada, é capaz de se tornar luz, pelo poder efetivo de transformação que possui. A dor nos transforma, nos tira do lugar. É através dela que deixamos de ser estúpidos seres humanos, para nos tornarmos pessoas de significado sublime, acima da superficialidade de uma existência banal.
É difícil nos imaginar desejando uma dor ou sofrimento, mas vale a consciência, ao menos, de que é através dela que nos transformamos em seres melhores.
O único livro, que me fez chorar foi uma coletânea de cartas de Madre Teresa de Calcutá à alguns de seus superiores na igreja (“Venha, seja minha luz”). Minha emoção não se deu pela beleza do livro ou pelo conteúdo do mesmo, mas a compaixão pelo sofrimento de pessoa tão nobre de espírito.
Secretamente, Madre Teresa carregava a dor e culpa da dúvida de sua própria fé. O peso que levava era tão grande e escondido, que ninguém poderia imaginar, não fosse pela publicação dessas cartas. A dor de sua dúvida e a enorme culpa que pesava em seus ombros a tornaram a luz que foi neste mundo.
Nenhum de nós está imune a dor alguma. Naturalmente iremos tentar evitar todo e qualquer sofrimento, até que se chegue a compreensão real de que ele faz parte de algo maior e benéfico, ainda que pareça contrário ao que a nossa natureza busca.
Somente a consciência da beleza existente na dor e nas sombras de nossas próprias histórias é que se dará a transformação de nossas feridas em luz, além daquilo que somos.
Que toda nossa dor possa ser enfrentada com coragem, nos transformando em seres mais próximos do que clamam nossas almas.
Desejemos luz!
Mesmo que para isso tenhamos que antes encarar a mais temida escuridão.
2 Comments
Lindo, precioso e tão verdadeiro o seu texto!! Adorei ter lido!! Parabéns Carolina Vila Nova!!
Obrigada Rudy!!!!!!!!!!! Sempre tão querido! Fico feliz que tenha gostado! Um beijo!