– Com licença, com licença, aonde você vai?
– Não sei.
– Mas você está chorando, está com fome, sede. Por que não para?
– Não posso.
– Mas aonde você vai?
– Não sei, já disse.
– E esse menino que arrasta com você?
A criança seca algumas lágrimas na manga da jaqueta.
Silêncio.
– Por que não me responde? Quero ir com você.
– Mas eu não sei aonde vou, não tenho nada para você.
– Mas eu quero ir. Me leva com você?
– Não tenho forças.
– Ainda assim, eu quero ir.
– Pois não devia, só tenho medo.
– Eu posso ajudar.
– Não acredito!
– Me leva com você?
– Por quê?
Ela desiste de brigar comigo.
A mulher para e olha seu entorno, enche o peito e encara o rosto do menino, cansado. Volta a andar.
Pergunto outra vez:
– Para onde vamos?
– Um país vizinho.
– Um qualquer?
– Qualquer um que nos acolha, que não nos mate.
– Você não tem um de sua preferência?
Ela para e olha para trás:
– Ficou lá.
– Quem sabe um dia você volta?
Ela retoma sua caminhada:
– Não posso pensar nisso.
– Por quê?
– Pode demorar uma vida
– Para onde vamos, doce menina?
– Não sei.
Ela olha seu filho, tocando o capuz em sua cabeça.
“O acolhimento, que não consegue nem para si mesma.”
– Alguém te espera?
– Não?
– Tem dinheiro?
– Não.
– Mas está com fome.
– Sim.
Ela cai no choro e abraça a criança.
– Mamãe, estou cansado, cadê meu pai?
“Na guerra!”
– Trabalhando, meu filho, ele vai nos encontrar depois.
Eles seguem caminhando.
– E a minha escola?
– Vamos achar outra.
– O meu cachorro?
– Alguém vai cuidar dele. Você vai ter outro cachorro, você vai ver.
– Mas eu queria o meu.
“Pobre criança! Ninguém ficou com o cachorro…”
– E os meus amigos?
– Você terá outros, aonde estamos indo.
– Meus brinquedos?
– Um dia, vamos comprar brinquedos novos.
– Minha casa?
– Vamos ter outra, filho.
Ela disfarça algumas lágrimas e segue, como se olhasse para o nada.
Volto a falar com ela:
– A vida não acabou!
– Acabou sim, foi tudo destruído, tudo ficou para trás.
– Mas há o “para frente”.
Ela fica imóvel uns segundos, apenas olhando.
– Como levar você comigo?
– A vida é sempre para a frente, menina.
Ela fica de cabeça baixa, muda.
Tento novamente:
– Vida é impermanência, estamos aqui para aprender e sempre seguir em frente.
– Pois eu queria ir para trás.
“Você sabe, que não é possível!”
Ela fala mais alto:
– Como acreditar numa vida que segue para frente, num mundo onde as pessoas destroem, matam, e pelo que?
Ela chora:
– Pelo que???
“Eu sei…, compreendo sua revolta!”
– Destruíram meu país.
– Foque no para frente, você vai encontrar momentos bons e pessoas melhores.
– Difícil é o que eu carrego.
– Mas você disse, que não tem nada. O que você carrega?
Ela chora:
– O vazio de tudo que vivi, conheci, tinha e agora não existe mais.
– Existe sim, dentro de você.
– Mas virou dor.
– Se você ressignificar, vai virar força e maturidade, um dia.
– E quando isso vai acontecer?
– Um dia.
– E até lá?
– Caminha!
Horas de caminhada, sede, fome e dor. Choro, medo e cansaço.
Do outro lado, pessoas carregando placas e o som de várias línguas.
Uma mulher falando outro idioma abre os braços, para a menina.
– Welcome, welcome, you are safe now.
Ela chora, fica de joelhos no chão e cai nos braços da mulher. O menino também.
Ela olha em volta e reconhece dezenas de iguais.
Agora agradece:
– Спасибі!
A mulher alemã lhes entrega água e sanduíche. E caminham!
Para a frente!
Eu apenas sigo com ela!
…
Sua Esperança.