Após seis anos de volta ao Brasil, nunca pensara em retornar aquele país. As experiências amargas pelas quais havia passado, como preconceito e solidão, eram mais fortes do que qualquer saudade que pudesse sentir.
Depois de amanhã finalmente estarei de volta à Alemanha. Por motivos, encontros e desencontros, que agora me levam até lá, uma pessoa muito querida (um alemão) me escreveu: “Espero que possa ter novas experiências nesta viagem que a façam superar as experiências negativas que teve no passado”.
Sensibilizada com tais palavras, refleti. Dentro de mim, sei bem que o tempo, e principalmente, a maturidade já me fizeram superar as experiências vividas como estrangeira.
Por anos me ressenti sobre o país, sua cultura e seus próprios cidadãos. A dor havia sido tão intensa, que me deixaram cega, me fazendo ver o todo como uma coisa só.
Porém, a Alemanha parece mesmo fazer parte da minha vida. Minha avó materna era alemã. Chegou ao Brasil aos dez anos de idade, quando sofreu a maior tragédia de sua vida. Antes do navio chegar, sua mãe morreu de insolação e ela não se tornou apenas uma estrangeira no Mundo Novo, mas uma estrangeira órfã de mãe.
Quando criança, minha avó me ensinou a contar os números em alemão, mas depois que ela se foi, quando eu tinha então dez anos, parece que a cultura alemã desapareceu de minha vida.
Já adulta, acabei me mudando para a Alemanha devido a um relacionamento. Lá conheci a verdadeira cultura alemã, seus hábitos, pensamentos e modo de vida. Não gostei muito do que vi na época, pois custara a me sentir realmente integrada naquela sociedade. Por seis anos estudei, trabalhei e fiz bons amigos. Mas sofri a solidão natural que qualquer estrangeiro sofre: o corte do cordão umbilical com tudo que se tem e tudo que se é.
Quando retornei ao Brasil, vim com todas as mágoas que me eram de direito (já que minha imatura consciência assim me direcionava na época). Escrevi meu primeiro livro “Minha vida na Alemanha”. Com o passar dos anos, fui chamada a trabalhar numa multinacional alemã. Parecia que tudo em minha vida tinha uma conexão com aquele país, mesmo não estando mais lá.
O tempo continuou passando e fui chamada para outra multinacional alemã, ainda mais tradicional. Fiz amizade com novos alemães e comecei uma nova história com a Alemanha e toda a sua cultura. Com o passar do tempo, percebi qualidades em mim que não eram apenas brasileiras. A Alemanha estava em mim, e mais do que em hábitos e conhecimento, eu descobri a gratidão por tudo que havia vivido.
Eu viajo depois de amanhã. E finalmente, depois de seis anos, levo na bagagem a gratidão que antes nunca sentira. E um provável pedido de desculpas, pelos ressentimentos que levara dentro de mim.
Assim como uma reconciliação, quando se olha nos olhos de alguém e se pede desculpas, colocarei meus pés para fora do avião e abençoarei aquela terra com todo amor e palavras que me couberem.
A vida ensina com o vai e vem dos acontecimentos. E a reconciliação, nem que seja com uma nação, permite a cura de tudo o que foi um dia, abrindo espaço para o que ainda será.
Nem tudo que um dia fere, deve ser levado para sempre. O ferimento passa. O tempo cura. E a alma se fortalece.
https://youtu.be/N4QJMHNdlOo