Na foto, respectivamente: Diana Saqeb, Laurentia Genske e Inés Moldavsky.
No programa “Mulheres no Cinema” três jovens cineastas foram entrevistadas no canal DW (Deutsche Welle) apresentando seus principais trabalhos, entrevista que foi apresentada em 10.09.2020 pela TV CULTURA no seu programa Camarote 2.1.
Cada história revela um olhar singular e precioso sobre o contexto cultural onde vivem e nos revelam riqueza da diversidade humana para incluir em nosso próprio olhar. As três cineastas têm em comum, a Esperança!
Laurentia Genske
“Eu realmente me emocionei com as histórias [filmadas] , queria que os sonhos e desejos dos personagens se realizassem. Eu realmente gostei do tempo que passei com eles. Geralmente quando faço um filme, não quero passar uma mensagem específica, porque cada pessoa recebe a obra de forma diferente com uma mensagem própria. Mas o que eu quero mostrar ao público é que realmente participo da vida destas pessoas, e então – abrir esta janela!”
A alemã Laurentia Genske produz “in loco” um documentário gravando cenas do cotidianos de alguns personagens que escolheu num local de moradia coletiva onde habitam camadas marginalizadas da sociedade. Ainda que a Alemanha seja um país rico e de primeiro mundo, também sofre com a marginalidade, daqueles que vivem da ajuda do governo e sobrevivem com o mínimo. Com experiência de seis anos como estrangeira no país, identifiquei com naturalidade o conjunto habitacional do filme, que foi o cenário gravado por cerca de dois anos em cenas cotidianas dos quatro personagens principais.
A pobreza existe sim, se não tão materialmente contundente quanto no Brasil, mas com a miséria humana do não se sentir “pertencendo”, como no caso de uma prostituta de mais idade e viciada em drogas, que escreve cartas para si mesmo e que ainda acredita em alguns dos sonhos comuns a todos os humanos.
O filme tem o olhar feminino sobre a dor da marginalidade num país supostamente rico e onde todos estão bem atendidos. Sua busca por documentar essa realidade dolorida aproxima-a das pessoas retratadas e muitas são as cenas em que aparecem nesta convivência, com revelações espontâneas sobre si mesmos e a forma como vivem – expondo sua intimidade e vulnerabilidade porque são assim e vivem assim. Os personagens retratados assistiram e aprovaram o filme, e se viram retratados nele.
O que a cineasta pretende apontando um problema social?
Dar voz às camadas invisíveis da sociedade . Durante um ano, a cineasta trabalhou como voluntária num banco de alimentos próximo do local (em Colônia, Alemanha) onde escolheu rodar o documentário, seu primeiro longa-metragem. _“Começa com as pessoas, quando observo alguém em algum lugar e esta pessoa realmente me emociona!” Reconhecer e legitimar o mundo deles e ampliar o olhar dos demais – que desconhecem ou ignoram o que precisa se desenvolver como um todo no mundo caótico que estamos vivendo.
O olhar feminino é longo, amplo, receptivo e às vezes visionário, enxergando o todo, o conjunto, o coletivo e não apenas o reflexo de si mesmo – este é o olhar da mulher, que difere do homem.
Inés Moldavsky
“O cinema pode ser um instrumento político – um meio para mudar a realidade! Acho que quero desafiar fronteiras, em todos os sentidos. Acho que gostaria que as pessoas começassem a pensar sobre a fluidez das fronteiras e apenas pudéssemos dizer :
– Sou cidadão do mundo!”
A segunda cineasta é Inés Moldavsky, nascida na Argentina, mas residente em Israel onde sempre viveu – frequentemente ela realiza performances diante das câmaras mesclando-as com o trabalho de direção. Ela abraça a liberdade criativa e é a favor de um mundo sem fronteiras. Também ressalta a dificuldade de ser uma cineasta num país onde os filmes são focados apenas no holocausto e nos conflitos contínuos entre Israel e Palestina. Não parece haver espaço para o novo, outro ponto de vista, novas percepções. Mas afinal, o que é que Israel tem? É só a guerra e seus conflitos? É claro que não. Por isso, ali o olhar feminino se destaca, segue para o não visto, para o que ainda não foi feito, pensado e sequer imaginado.
A partir de uma ideia “maluca” e perigosa naquele contexto, ela decide – inusitadamente, usar o aplicativo Tinder para contatar e conhecer homens além das fronteiras, já que assim o aplicativo permite, ignorando totalmente fronteiras e ideias de nacionalidade. Sua intenção era mostrar o lado humano das pessoas, independente das fronteiras onde estivessem. A cineasta persiste realizando diversas entrevistas para seu filme “Men behind the wall” a partir de contatos feitos com homens da Cisjordânia – pelo aplicativo e sites de namoro – sobre como eles enxergavam a possibilidade de se encontrarem com uma mulher, que suspostamente deveria ser sua inimiga. Este curta metragem ganhou o prêmio Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2018.
É um trabalho de inclusão sociológica que induz a reflexões filosóficas, com possibilidades de provocar rupturas no comportamento de quem vive no modo automático coletivo, repetindo padrões, para o despertar de novos olhares e a construção de outras realidades. Apresenta-se o nunca visto ou imaginado – desafiando a cultura da violência, da indiferença, do já estabelecido!
A cineasta propõe um belo convite com o seu trabalho _ a ideia de abrir olhos e consciência para um horizonte mais livre, claro e absolutamente novo.
Segundo ela, o cinema é um “mecanismo subversivo” que permite contatar esses “supostos inimigos”, mostrando-os tão humanos e vulneráveis como todos nós e capazes de também repensar o que se apresentava a eles como inimigos. Esse processo vivido e filmado em tempo real potencializará o olhar dos espectadores que verão no filme , outras possibilidades de existência e novos desafios a serem conquistados, quebrando os preconceitos de séculos.
É simplesmente maravilhoso!
Diana Saqeb
Como quebrar preconceitos tão arraigados na sociedade?
Não desistir e seguir em frente: _” O cinema nos permite imaginar a vida da forma como gostaríamos que fosse” O meu desejo é influenciar o meu povo, por meio da minha arte e dos meus filmes!
A terceira cineasta é Diana Saqeb vive e trabalha no Afeganistão dirigindo filmes sobre os direitos das mulheres Num país destruído pela guerra e dominado pelo machismo e todo excesso fanático religioso, surge uma mulher que luta, não apenas pelas mulheres, mas contra uma das maiores forças fanáticas vistas na história. _ ¨Viver num país como o Afeganistão não é fácil para ninguém, para nenhum ser humano”. Afegã, mas com cidadania canadense, ela optou voltar a viver no país de origem e usar o cinema como forma “_ (…) de dar espaço para as mulheres respirar, poderem sair de suas casas, poderem enfrentar a sociedade e estares presentes no espaço público!”
Num lugar onde o homem manda e impera absoluto, é mais do que perigoso ser uma cineasta. E quanto mais uma que tenta abrir esses olhos tão cobertos de masculinidade tóxica e cega. Sua proposta é permitir que, através do seu trabalho com os filmes, essas mulheres prisioneiras de uma sociedade involuída de todas as formas, enxerguem, cada vez mais, a possibilidade da reflexão além _ liberdade, como deveria ser de forma natural, ao invés de proibida e escandalosa. Ela conseguiu reunir num pequeno recinto onde exibe filmes em sessões especiais apenas para mulheres ( as mulheres não podem se misturar aos homens no mesmo recinto), que podem vir com as amigas e assistirem a filmes livremente. A cineasta acredita que pode influenciar a sociedade com seus filmes. _ “Ser criadora de conteúdo é muito importante, e eu amo isso!”
Seu filme atual e premiado em 2019 no Festival Internacional de Cinema de Veneza, Roqaia é uma história de sofrimento e dor de uma criança, uma menina que após sobreviver a um ataque suicida, tem que sobreviver sozinha ao seu renascimento mediante o trauma e a atenção da mídia sobre ela. Num mundo, onde a mulher não conta, o que se esperar de uma menina? Nada!
_ “Sempre sofro quando vejo as crianças do meu país. É difícil para todo mundo, mas as crianças são tão inocentes – estão começando a vida, são crianças. Quando você compara a outras crianças do mundo, dá pra ver nos olhos delas, o quanto elas sofrem. As crianças do meu país não sabem o que é felicidade. Elas nunca viveram a felicidade!” , diz ela visivelmente emocionada.
Por isso, a presença da mulher se torna essencial.
Num mundo que carece de todo tipo de transformação evolutiva, nós mulheres seguimos, lutando para não morrer e ainda transformar o que o homem insiste em considerar e usufruir apenas para si mesmo.
As três mulheres são notáveis, bem como seus trabalhos foram considerados brilhantes e merecidamente premiados. Por que são mulheres? Não, mas porque seus olhares trazem a potência de construir novas perspectivas e realidades que olhar do homem ainda não vislumbra ou admite. .
Abrir os olhos, recriar, inovar e gestar em si mesmo a capacidade de enxergar além, do bem possível para todos e incorporar à existência uma nova percepção de mundo e de vida.
Todos só teremos a ganhar.
Até lá, que vivam e surjam cada vez mais mulheres como estas!
E programas de TV que nos presenteiem com tamanho talento e capacidade de olhar para o outro, numa forma que nunca existiu antes.
Na íntegra – Mulheres no Cinema, Especial Camarote 2.1:
“O Camarote.21 traz histórias inspiradoras de três novos talentos da sétima arte: a alemã Laurentia Genske – com um trabalho voltado para camadas marginalizadas da sociedade; Inés Moldavsky, de Israel, que abraça a liberdade criativa e é a favor de um mundo sem fronteiras; e Diana Saqeb, que vive e trabalha no Afeganistão dirigindo filmes sobre os direitos das mulheres.