– Mãe, nem adianta voltar para casa, o prédio vai cair.
– Oi? Como assim?
– O prédio foi interditado pela Defesa Civil. Todo mundo teve que sair correndo, sem levar nada. Ninguém sabe se a gente vai poder voltar.
Desliguei o telefone na empresa onde trabalhava ainda atônita e ao mesmo tempo rindo com a informação.
“Como assim o prédio vai cair?”
Foi surreal! Aconteceu em fevereiro de 2019: o condomínio onde eu morava no então bairro nobre Morumbi, zona sul de São Paulo, simplesmente foi interditado, após suspeita de possível desabamento.
Naquele dia até voltei para casa, mas fiquei no meio da rua junto às centenas de moradores desesperados, chorando, por não saberem o que fazer, misturados com jornalistas e câmeras de vários canais de TV. E naquela noite eu e meu filho fomos reconhecidos por colegas de trabalho no Jornal Nacional.
“E quem é que quer aparecer no noticiário mais famoso do país numa notícia dessas?”
O episódio durou meses e os moradores não foram ressarcidos até hoje, embora os proprietários tenham retornado a seus devidos apartamentos após uma reforma feita nas bases dos prédios, que demorou mais de um ano para ficar pronta.
Quanto a mim e meu filho, cerca de duas semanas depois, conseguimos retirar algumas coisas do apartamento acompanhados por bombeiros, que permitiram a cada morador, ainda que numa situação de risco, retirar o essencial.
Fiquei setenta dias sem minhas coisas: móveis, roupas, utensílios de cozinha, remédios, cosméticos etc.
– É…., 2019 foi um dos anos mais significativos da minha vida.
Dizem que desgraça nunca vem sozinha. E aquele ano me provou isso!
Depois de passar uns dias dormindo na casa de uma amiga, consegui me mudar para outro apartamento alugado e vivi a sensação de estar acampando num lugar estranho, sem móveis, por mais de dois meses.
Nesse meio tempo, a multinacional onde eu atuava há quatro anos efetuou meu desligamento com uma mensagem bem pior do que “Boa sorte!”.
Na época, a situação parecia inimaginável. O processo de demissão e as piores férias da minha vida, quando fui informada que estava saindo para talvez nunca mais voltar.
Eu entrei em pânico! Os trinta dias foram de puro medo:
– E agora? Não tenho minhas coisas e vou perder o emprego?
Naquela fase, o pior foi o sentimento de confusão que tomou conta de mim:
– O que está acontecendo na minha vida?
Resumidamente, foi mais ou menos assim: eu perdi minha casa, meu trabalho e pessoas próximas e importantes para mim em diferentes âmbitos se revelaram de forma desconfortável para mim, em situações que não merecem ser citadas aqui. Porém, com tudo isso, a minha autoconfiança acabou indo embora. Eu me perdi de mim!
Se as bases da vida são nossa casa e o trabalho, eu havia perdido os dois ao mesmo tempo e me via como uma pessoa traída em várias circunstâncias.
Na época, sem perceber, desenvolvi algum grau de síndrome do pânico. Eu sentia medo constante por não ter mais uma fonte de renda e nem pessoas ao meu redor em quem pudesse confiar. Eu me isolei, não saía de casa, e sentia que tinha alguma coisa errada.
Mesmo abalada psicologicamente, baixa autoestima e confusa, me dediquei ao esporte dentro do condomínio onde morava. Nadava dois quilômetros por dia, corria, caminhava e fazia musculação, o que me ajudou a não enlouquecer e inclusive a me sentir bem.
Ainda assim, me sentia sozinha, sem querer ver quase ninguém que conhecesse. Desempregada, estava sobrando tempo. E tempo não era algo que queria, pois me induzia a ficar remoendo aqueles acontecimentos que tinham me ferido. Decidi entrar num aplicativo de encontros.
Me interessei pelo primeiro Crush de cara, mas a cultura líquida de Zygmunt Bauman logo se escancarou para mim: não tinha ninguém ali realmente interessado em algo sério. E embora eu tenha precisado passar por diversas experiências para comprovar o fato e me sentir frustrada, o que eu experenciei, sem saber, me levou muito, muito além.
– O que você vai fazer agora, Carolina? – perguntei para mim mesma algumas vezes, pensando em desistir de encontrar alguém pelo aplicativo.
E então fiz a pergunta que mudou a minha vida:
– E se você escrever um livro?
Quando pensei nessa possibilidade, logo me peguei com um sorriso no rosto:
– É isso!
Ao invés de simplesmente conhecer alguns Crushes, passei a entrevistá-los para saber como realmente se comportavam naquele mundo.
Mesmo com um certo grau de pânico, passei a frequentar um mesmo bar, perto de casa, o que gerou uma das facetas mais divertidas da comédia romântica “DEU MATCH! 13 Crushes, 1 amor e 1 livro!”.
Minha jornada planejada com os 13 Crushes rendeu um dos meus melhores livros, que foi aprovado para ser publicado por uma reconhecida agente literária em dezembro de 2020. Foi aquela sensação de plenitude ver um sonho se realizando, mas que acabou poucos meses depois com a chegada da pandemia.
Paralelamente, na mesma época, comecei a trabalhar profissionalmente como Ghost Writer, embora já o tivesse feito antes, sem muito conhecimento da profissão. E fui percebendo que era boa nisso.
– Caramba!
O primeiro livro de um cliente se tornou Best Seller pouco tempo depois. E os clientes continuaram chegando, um após o outro, realizando um sonho muito maior do que ter um Best Seller em meu nome: eu finalmente estava vivendo da e para a escrita, desejo que carregava no corpo e na alma há mais de uma década, porém antes apenas como hobby.
Em meio a um turbilhão de acontecimentos, tive um dos melhores insights da vida: o problema não tinha sido as pessoas com as quais me senti desconfortável, amenizando a palavra. O problema tinha sido eu mesma: boazinha demais, complacente demais, zen demais, disponível demais, compreensível demais. Tudo aquilo me ensinou a rever meus próprios limites, minhas regras e meu território.
Hoje seleciono quem entra no meu território, seja na vida afetiva, familiar, profissional ou de amizades. Sou para quem me respeita de verdade e aceita quem eu sou. Meu mundo: minhas regras! Gostou? Aceitou? Bem-vindo! Não gostou? Tudo certo, direito seu. Vida que segue, sem qualquer necessidade de se manter uma conexão.
Este continua sendo um dos melhores aprendizados que tive na vida. A vida há de derrubar nossos alicerces para nos mostrar quando podemos ser muito mais do que estamos sendo.
A melhor trajetória da minha vida começou bem ali naquele telefonema, me informando que meu prédio ia cair. E depois, no desligamento profissional de uma situação insatisfatória e no fato de ser cancelada por pessoas próximas que verdadeiramente não me respeitaram ou aceitaram num dado momento.
Tenho profunda gratidão por todas essas pessoas e situações, que me levaram de uma Carolina a outra! De uma profissional insatisfeita e infeliz a uma escritora reconhecida e absolutamente feliz com a profissão. Sou grata as amizades não verdadeiras que me mostraram as que realmente valiam a pena e a todos de modo geral, que me forçaram a rever o meu posicionamento na vida, sobre o mundo e as pessoas.
A minha experiência de desabrigada, desempregada e cancelada me levaram a usar o aplicativo e a escrever um livro. Com a vinda da pandemia, tive a sensação do sonho ter ido embora, mas uma das maiores editoras deste país, a Literare Books Internacional, se interessou pelo meu livro e apostou nele, meses depois, sendo lançado em outubro de 2021.
Algumas semanas depois, o livro entrou para a lista dos livros mais vendidos do Brasil. Alegria não foi pouca! Mas como tudo na vida é incerto, não posso deixar de contar que meu pai adoeceu gravemente exatamente na mesma época em que o sucesso começou.
Semana a semana, eu cuidava do meu pai, ao mesmo tempo que gravava vídeos e fazia fotos para o Instagram celebrando o livro na lista dos mais vendidos.
Toda aquela alegria teve que ser equilibrada com uma perda lenta da vida de uma das pessoas mais importantes da minha vida. Eu me maquiava e usava luzes para disfarçar a cara de choro e celebrar mais uma semana na Publishnews!
– Porque o sucesso veio junto com a morte dele, Senhor? Uma morte longa e tão dolorida de assistir?
Foram seis meses vivendo o sucesso profissional e a perda gradativa de meu pai. Passado um tempo, seu estado de saúde e emocional ficaram tão frágeis, que já não fazia sentido mais contar para ele sobre o sucesso que estava alcançando. Eu me permiti viver e celebrar o auge como escritora, internamente, e nas redes sociais. Mas, de forma que não posso explicar, equilibrava isso com uma das maiores baixas que podia vivenciar como ser humano: meu herói sem capa estava de cama, sem se levantar, com cuidados constantes de pessoas especializadas, vinte e quatro horas por dia.
Como explicar a realização de um sonho mediante essa despedida acontecendo exatamente ao mesmo tempo? Eu não sei! Mas tenho a fé de que tudo tem uma razão e um sentido de ser, que só o tempo esclarece.
Meu pai faleceu em maio de 2022, ao mesmo tempo que o DEU MATCH! parou de aparecer na lista dos mais vendidos. E não foi a ausência do meu nome na lista que me sangrou por dentro, mas uma cama vazia.
Narrar essa história me arranca lágrimas que só me mostram o quanto essa dor ainda está latente em mim, ainda que sinta orgulho dela, pois participei como pude dos últimos momentos de meu pai.
Gosto de quem eu me tornei com tudo isso e de tudo o que vivi, bem antes dessa história começar. Tudo na vida ensina, fortalece: a gravidez precoce, a adolescência interrompida, o primeiro casamento desastroso, uma juventude sofrida, décadas de inconsciência, o segundo casamento que me levou a me tornar estrangeira e absolutamente só por seis anos e tanto mais, que nem sei se um dia irei contar. Quantas histórias cabem dentro de nós? E quantas dores? E quantos renascimentos?
Eu não sei quantas vezes ainda irei morrer por dentro, mas sei que quantas forem, tantas serão as vezes que irei renascer!
Hoje me sinto muito bem comigo mesma. Tenho 3 Best Sellers em nomes de clientes, além do DEU MATCH! e um Best Seller no Amazon da Alemanha, com o meu primeiro livro, Minha Vida na Alemanha, disponível em português e alemão.
Neste exato momento conto com 57 livros escritos como Autora e Ghost Writer, além de roteiros para teatro e cinema.
Meu maior sucesso DEU MATCH! constou 22 semanas na Publishnews, 3 vezes na Revista Veja, 1 no Jornal O Globo e na lista de Melhor Ficção de 2022.
Apesar de toda alegria e realização que sinto como profissional escritora e artista, creio que o meu maior sucesso tem sido as constantes reconstruções de quem eu sou, numa evolução da minha própria maturidade, que reflete nas relações com meu pai, minha mãe, meu filho, irmãos, amigos, conhecidos, afetos e desafetos, que me permitem sempre um posicionamento melhor, dia após dia.
Não sei como será o amanhã, mas tenho planos, nos quais trabalho todos os dias, controlando a ânsia de fazer e ser mais num ritmo e velocidade que a vida não me permite. Para tudo existe uma razão, a gente é que leva tempo para compreender de fato.
Com tantas histórias que crio diariamente, nunca deixei de ser a protagonista que mais reconheço e admiro na vida.
No fim, eu não dei match com ninguém naquele aplicativo, mas fiz muito mais do que o esperado:
– Eu dei Match com a vida, baby!