Na verdade só existe a direção que tomamos. O que poderia ter sido já não conta.”
(Mario Benedetti, escritor uruguaio – Quem de nós?)
– Você é especial, Carolina! Vai ser diferente! Ninguém nasce desse jeito e se torna uma pessoa comum!
“Será?”
A vida inteira ouvi minha mãe repetindo a história do meu nascimento.
Minha mãe, após ter tido a minha irmã, fez o processo de laqueadura das trompas, que tem apenas 0,5% a 1% de chance de dar errado.
“Errado? Oh, meu Deus. Eu sou um erro?”
Quando minha mãe descobriu que estava grávida e que, portanto, o processo de laqueadura havia se revertido sozinho, ela também recebeu um diagnóstico de tuberculose no rim, que é considerada uma das formas mais graves da doença.
– É melhor você abortar! Você corre risco de vida! – disseram os médicos.
“Nãooooo, me deixa ficar, eu quero nascer! Tenho muito para fazer neste mundo!”
Contra todas as orientações e probabilidades de dar errado, minha mãe não interrompeu a gravidez e nem pôde cuidar da tuberculose. Assumiu o risco de vida e seguiu em frente!
“Ufa!”
Mas a sequência de contrariedades não parou ali. Quando minha mãe chegou ao oitavo mês de gestação, a escritora aqui já quis dar o ar da graça. Os médicos entraram em alerta e dizem até hoje, que a sala de cirurgia ficou lotada. Os especialistas queriam saber, como foi que “aquilo” tinha acontecido.
“Aquilo? Caramba! Aquilo era eu! Dá licença!”
Então, eu já nasci com plateia e o autógrafo ficou no exame de pezinho.
A vida seguiu seu rumo e eu ouvi essa história a vida inteira. Vez ou outra, encontro pessoas mais velhas da minha cidade, que olham para mim com curiosidade e comentam o meu milagroso nascimento.
Pobre de minha mãe! Eu dei trabalho…
Décadas depois, descobri que sou TDAH, daquelas pessoas que tem déficit de atenção e são mega hiper ativas na infância. Eu era a criança que não abria a boca, mas tinha uma disposição para agir em silêncio, que quando iam ver, eu já tinha derrubado o armário da cozinha ou estava na rua, andando de carrinho de rolimã, enfrentando perigos que uma menininha magrinha e supostamente delicada não deveria enfrentar.
Da criança que agia em silêncio, me tornei uma adolescente rebelde, com uma mente que não parava quieta. TDAH madura, desenvolvi o hiper foco, que tempos depois, me permitiu o sucesso como escritora.
Não sei se me tornei diferenciada, como a minha mãe imaginava. Talvez. Ainda busco diferenciar a mim mesma no caminho da evolução, mas neste dia, gostaria de dizer para a minha mãe, que quem se sobressai nessa história de verdade é ela.
Quem me deu a vida, perante o risco de morte foi ela.
Parabéns e obrigada a você, mãe, que mediante muitos nãos, ignorou a porcentagem e disse sim para a vida: para a minha vida!
Peço desculpas pelos anos de implicância, imaturidade e energia sem fim. Eu talvez não seja o que você sempre sonhou, mas foi a sua força e coragem, que me permitiram existir!
E como todas as mães, você descobriu que ser mãe não tem nada a ver com paraíso, mas com uma trajetória de dificuldades e aprendizados, onde construímos as relações mais importantes de nossas vidas!
Feliz Dia das mães para quem olhou entre o 0,5 e 1% e apostou nos 99 a 99,5%!
Obrigada!