“A saudade é uma sala de espera que a gente senta e não sabe quando vai ser atendido!”
Lucão
Hoje faz quinze dias que você se foi e de lá para cá, tentei escrever algumas vezes um artigo sobre sua partida, mas doeu tanto que desisti. Me recusei a escrever algo triste e que me fizesse chorar, embora agora eu já esteja em lágrimas.
Como homenagear você sem nenhuma hipocrisia? Não combina com sua constrangedora sinceridade. E nem comigo.
Me vejo em você, pai!
Sendo assim, homenagearei sua força, o que mais aprendi com você durante toda a minha vida.
Foi na sua rigidez, impaciência e ácido humor, que aprendi a ser quem sou. Não houve muita flexibilidade em meu caminho. Na autoridade que trouxe consigo de seus tempos de menino, me restou compreender que teria de lutar para ser quem eu queria.
Nunca quis fazer curso de corte e costura para construir minha própria confecção, como você sugeria. Ou estudar farmácia para abrir a minha própria drogaria. Problema meu, poderia ter mais dinheiro agora, se tivesse seguidos seus conselhos. Mas entendo e agradeço, pois aprendi em meu caminho, as árduas lições da vida, que me guiaram a ser quem eu deveria: eu mesma!
E não foi o mesmo com você? Enquanto meu avô lhe oferecia as árduas horas de trabalho duro em sua padaria, sem salário algum e os maus tratos com a minha avó, não foi essa dor que lhe tirou de casa e lhe ensinou os caminhos da vida? Com os poucos amigos e as inúmeras decepções? Não foi a soma disso tudo e um pouco mais que moldaram a sua pessoa?
Me vejo em você, pai!
Eu segui o seu caminho, ainda que não tenha percebido! Decidi, assim como você, seguir as minhas próprias convicções, aprendendo com as frustrações das inúmeras experiências que não deram certo. Foi assim, que pude compreender o que e quem valia a pena e me fortalecer nas dores das deslealdades e decepções.
Vejo você em cada rua e curva que fiz. A rebeldia, a ironia, o excesso de críticas e as piadas que aliviam as fases difíceis. A força em continuar em frente, independentemente da situação. E quantas são as contrariedades durante uma vida inteira? Quantas ainda hão de ser? Tento carregar comigo os poucos que ficam. A gratidão pelos raros que nunca decepcionam e daqueles que mesmo num erro sabem pedir desculpas e se colocam humildemente ao meu lado.
Me vejo em você, pai!
Penso em você todos os dias, mas tento esquecer os últimos meses aos quais fui obrigada a vê-lo perder sua força e vitalidade, embora o sarcasmo ainda estivesse lá, quase até o último dia, quando você finalmente se rendeu.
Ninguém acreditaria que quase sem força você ainda pudesse trazer o humor negro e justificadamente censurado em meio a seus fiéis e abençoados cuidadores.
Me vejo em você, pai!
Fica em mim a sua imagem varrendo o quintal, cuidando das plantas ou em cima do telhado, deixando a todos de cabelo em pé. A gratidão de tantos que sentiram sua partida, pelas frutas recebidas, em sacolas ou devidamente descascadas, picadas e servidas em pratos com talheres.
Me vejo em você, pai!
Não tenho palavras para agradecer a vida que me deu. O papel de fiel provedor e principalmente, do assumir o papel de pai do meu filho, sem que ninguém jamais tivesse lhe pedido. A lembrança de você engatinhando com ele, de joelheiras, que nunca vai deixar de existir.
Meu filho se vê em você, pai!
Obrigada pelos anos ao seu lado, pelos defeitos e qualidades, pelas brigas e conversas, num todo que se fez necessário para essa coisa esquisita e inexplicável chamada vida. De onde viemos? Para onde vamos? Se houver um Deus, como você dizia, e se tiver tido a chance de falar com Ele, espero que não tenha feito o que disse que faria.
Um dia iremos nos encontrar novamente. Até lá, se comporte e ressignifique o que for preciso.
Gosto de imaginar que está com o Sacudo, o gatão, como você o chamava. Cuide dele por mim! Por aqui estamos bem, com saudades! Vez ou outra lembramos de uma piada sua!
Você nunca será esquecido!
Porque vejo você em mim, pai!
Até breve!
Barbaridade…
1 Comment
Estava esperando este texto. Sincero, profundo. Bom escutar você.