Após um sofrimento de mais de vinte e quatro horas de viagem, os gatos finalmente chegaram em sua nova casa.
Vindo da Alemanha, estavam acostumados com a neve e a liberdade, casas sem muros e sem portões. E foi triste encarar o aeroporto. Quando chegamos lá, os três tremeram de medo. Se encolheram cada um no fundo de sua caixa de transporte. Obrigatoriamente de barriguinhas vazias, eles chegaram em sua nova casa. Embarcaram no avião junto aos outros animais daquele voo.
Sacudo era o mais velho e experiente. Gato de olhos e pelos amarelos, lindo como o que. Princesa era cinza de olhos verdes e sempre a mais medrosa. Nenê era o bagunceiro e o novato, não tinha muito mais do que um ano de idade; um persa cinza de olhos verdes. Nenê ainda tinha uma peculiaridade muito engraçada: seu dente inferior esquerdo saía da boca por falta de espaço, fazendo ele parecer um gato vampiro.
Eu nunca soube o que aconteceu de verdade nas doze horas de voo no compartimento dos animais. Só sei que quando busquei os meus gatos no aeroporto, já no Brasil, os três estavam assustados e com frio. Nenê estava molhado de xixi. Ainda no aeroporto improvisei caixas de areia e comida para os três. Depois foram mais cinco horas de estrada até o nosso destino final.
Coloquei o Nenê dentro de uma fronha de travesseiro e ele adormeceu fazendo jus ao seu nome: um perfeito neném. Eu viajei dormindo, deitada numa Van e movia o gatinho junto ao meu corpo durante toda a viagem. E ele nem se mexia, tamanho era o seu cansaço. Tudo me fazia pensar que esta viagem havia sido a pior coisa na vida dos meus gatos. Até que algo provavelmente pior aconteceu.
Em menos de um mês depois, eu fui viajar. Meus gatos ficaram na sua nova e temporária casa: a casa de meus pais. Enquanto eu estava na cidade grande, procurando uma nova casa para morar, o meu gato mais velho deu um susto na família toda: Sacudo sumiu.
Minha mãe, meu pai e meu irmão saíram pelo bairro, envergonhados, gritando o nome: “Sacudo”, “Sacudo” … Em vão. Nada do gato aparecer. Desesperada, minha mãe chorou. Sabia que meus gatos eram importantes pra mim.
Na madrugada seguinte eu cheguei e recebi a notícia. Eram duas horas da manhã. Assim que coloquei os pés para fora do carro, em frente à casa de meus pais, automaticamente comecei a chamar meu gato. Para a descrença e surpresa total da minha sobrinha, quem havia me informado do sumiço felino, Sacudo começou a responder de longe com um miado alto e desesperado. Por sorte era madrugada e seu som foi seguido por mim. Corri pelas ruas do bairro até encontrar meu gato preso na casa de trás, ao lado da nossa.
Sacudo pulava e se jogava contra uma porta de vidro, desesperado para sair dali. Eu apertava a campainha incessantemente, brava, querendo que devolvessem meu gato. Num primeiro momento, achei que se tratava de uma apropriação ilegal do meu bichano. Bom tempo depois de nervosismo, alguém passou e me disse: “Ligue para a empresa que faz a segurança da casa. O dono da casa não está; está viajando”.
Já tinha ligado para a polícia solicitando ajuda, a qual riu da minha cara. Mas a empresa de segurança colaborou. Em mais de uma hora a empregada da casa veio com a chave para a sonhada libertação do Sacudo. O coitado estava ali há mais de um dia, preso, sem água, sem comida e com medo. Não fosse o meu chamado e sua total confiança em mim, talvez nunca o tivesse encontrado.
Quando o vi, ele subiu imediatamente em meu colo. Voltamos para casa quase às cinco horas da manhã. No dia seguinte só pude concluir que Sacudo estava no muro da casa de meus pais, quando provavelmente levou um choque na cerca elétrica e caiu de cima do muro de uns três metros de altura, ficando preso no estranho quintal.
Sacudo nunca mais foi o mesmo. Se na Alemanha era o rei felino do bairro, no Brasil ele virou um gato de apartamento, que quase nunca sai, é medroso e “na dele”.
Eu não sei, mas eu acho que se meu gato falasse, ele até agradeceria por eu tê-lo tirado da casa do vizinho. Mas acho que me mandaria “àquele lugar” por tê-lo tirado de seu país. Por essas e outras, eu me contento quando ele olha pra mim e só faz: “Miau” …