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“Não aguento mais essa situação de ficar preso em casa”.

– Você verificou a lista do mercado, Pedro?

– Sim, duas vezes.

– Pegou tudo?

– Peguei, Ana!

– Confere outra vez!

– Pão, presunto, queijo, requeijão, goiabada, arroz, feijão, pão de queijo, iogurte, banana, maça, mamão, shampoo, sabão em pó, creme para as mãos, frango, bife, linguiça, nuggets, bolacha, chocolate, tapioca, papel higiênico, papel toalha, bolo de caixinha e manteiga.

– Ok, vamos embora então.

– Arruma a máscara, Pedro.

“Que saco…, o que eu vou fazer quando chegar em casa outra vez?”

Pago a conta e uso o álcool gel do mercado ao sair. Enquanto coloco as sacolas sem fim no porta malas, me pergunto se adianta ter passado o gel, se agora já estou tendo que tocar todas as sacolas de novo.

Sento no carro e começo a dirigir.

“O que eu vou fazer, quando chegar em casa? Jornais? Excesso de notícias ruins. Livros? Já li dois esta semana. Ginástica? Me cansa fazer sozinho. Beber? Abaixa a imunidade. Séries? Não sei, não é bem isso o que eu quero. Vídeo game? Não aguento mais. Falar com alguém por telefone? Sinto falta dos olhos nos olhos. A Ana? Este excesso de convivência está enjoando a relação. O que eu vou fazer quando chegar em casa?”

– Pedro, o que você está pensando?

– Nada, Ana. Nada.

– Quer cozinhar comigo quando chegarmos em casa?

– Acho que não.

– Tome um banho de banheira para relaxar, você quase nunca usa.

– É, pode ser. Está bem frio hoje.

Eu me aproximo de um semáforo e há um morador de rua com uma placa escrito “fome”. Ele está de bermuda, chinelo e uma blusa meio rasgada.

– Ana, pega o pão para dar para o cara.

– Mas você só comprou um pacote, Pedro, vamos ficar sem.

– Não tem problema, eu passo na padaria.

– Mas você já tirou sua máscara, Pedro, não pode colocar ela usada de novo, depois que já a enrolou toda.

– Ana, pega o pão, para eu dar para o cara, por favor.

– Não vou pegar. Não quero que você vá na padaria sem máscara.

– Então eu não vou na padaria, Ana.

– Mas vamos ficar sem pão, Pedro.

– E daí, Ana? Temos várias outras coisas em casa que podemos comer.

– Eu não vou pegar, Pedro.

Eu paro o carro no acostamento, alcanço a sacola com o pacote de pão no banco de trás do carro e entrego ao pedinte.

– Deus abençoe, senhor, Deus abençoe.

Eu reparo suas mãos sujas e a magreza de seu corpo.

“Pobre homem”.

Tiro minha blusa e entrego para ele também.

“Está tão frio hoje, meu Deus”.

– Obrigado, senhor, obrigado. Deus abençoe.

Ele me olha nos olhos rapidamente, com a cabeça baixa o tempo todo.

– De nada, de nada.

Ele pega um dos pães e começa a comer imediatamente.

Decido entregar a ele a sacola com o cacho de bananas.

Engato uma marcha e vou embora.

– Eu não acredito que vamos ficar sem pão e sem banana, Pedro.

Silêncio.

Bem mais tarde, em minha banheira, percebo que subitamente o tédio deu lugar a outra coisa, que não sei explicar bem o que é. O excesso de informações da TV e das redes sociais, o telefone que está sempre recebendo mensagens, os livros que já li, a Ana que não é mais a mesma, nada me apetece, exceto o único momento do dia que não consigo esquecer. Sua voz não me sai da cabeça.

– Deus abençoe, senhor, Deus abençoe.

Eu olho a minha taça de vinho ao lado da banheira com um prato com pedaços de queijo. Fecho os olhos e respiro profundamente a vontade de esquecer aquela cena.

“Que porcaria de pandemia…, o que eu tenho para fazer agora?”

 

 

 

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2 Comments

  1. Joana de oliveira disse:
    13 de maio de 2020 às 04:47

    Perfeito texto para nossa época de Pandemia.
    Necessário refletirmos o que está de fato mudando em mim……

    Responder
    • Carolina Vila Nova disse:
      13 de maio de 2020 às 13:33

      obrigada Joana!!!! que bom que gostou!!!! um beijo e sempre bem vinda!!!

      Responder

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