Brilhante!
O filme espanhol “O poço” do diretor Galder Gaztelu- Urruti, categorizado como terror é, na verdade, um filme bastante filosófico, uma vez que o enredo retrata de forma absurdamente criativa a maneira como nossa sociedade está formada e como nos comportamos como indivíduos: egoisticamente. Neste caso, considerando a alta semelhança com a forma como a nossa sociedade está estruturada e assim a aceitamos, podemos encarar o longa como terror, no mais, trata-se de um filme de ação e suspense.
O longa chama atenção do início ao fim, numa narrativa inicialmente leve, com diálogos em um único cenário entre os dois personagens principais. Uma obra provavelmente muito barata, se comparada à grandes produções, mas de alto nível em vários aspectos.
“O poço” não é um filme para crianças, tampouco para quem não deseja refletir ou tem o estômago sensível. O enredo obriga à inúmeras reflexões. Ao mesmo tempo que instiga pela sua originalidade, incomoda por escancarar o nosso pior lado como seres humanos.
O protagonista acorda numa espécie de prisão, chamada de poço, no andar 48, acompanhado de um senhor de idade, um tanto sarcástico, que acaba explicando a dinâmica do local, no sentido de funcionamento e sobrevivência. Os inquilinos do poço são prisioneiros, que chegaram até ali sem saber ao certo de como o mesmo funciona. Alguns vieram voluntariamente, em troca de um certificado homologado.
A ideia é aparentemente simples. O poço tem muitos andares, cada andar, dois prisioneiros e eles nunca saem. O andar zero faz parte da administração, que é responsável por cozinhar inúmeras iguarias, incluindo a comida favorita de cada prisioneiro. Uma plataforma, parecida com uma imensa mesa fica absolutamente cheia de comida e desce por todo o poço uma vez por dia. A plataforma para por pouco tempo em cada andar, permitindo que os prisioneiros comam somente neste momento e não fiquem com nada para depois.
O grande problema da trama é que quem está nos andares superiores come muito bem e conforme se está abaixo come-se cada vez menos, ou pior: não come.
A administração do poço enxerga o mesmo como uma forma de educação vertical, enquanto alguns personagens acreditam que através desta experiência pode-se chegar a solidariedade espontânea, após o aprendizado e sofrimento, uma vez que, assim como na vida, os personagens trocam de lugar.
Uma vez por mês, todos mudam de andar, sem nunca saber para onde vão. Ou seja, hoje se pode estar abaixo, não comendo quase nada e no dia seguinte, na fartura. Assim como as voltas que a vida dá no mundo real. A grande questão é que com esta dinâmica, quem passou fome nos andares de baixo supostamente poderia se solidarizar com quem está abaixo, já que também passou por esse desespero, mas a maioria que chega nos andares de cima, prefere se fartar, ignorar e menosprezar os que estão abaixo.
Alguma semelhança com a sociedade criada por nós? Todas!
Cada andar representa um nível da classe social. Quem está acima detém a fartura e a decisão sobre o quanto sobra para quem está abaixo. Comida é o bem primordial à vida do ser humano e por isso no filme representa tudo.
Claro que nos andares mais inferiores não chega comida alguma, o que provoca o horror do filme, demonstrando o que o homem é capaz de fazer por instinto de sobrevivência.
O cenário é um só. Poucos personagens e muitos figurantes. Uma obra excepcional que demonstra o poço como a sociedade capitalista e o ser humano como ele é.
Poucos são os personagens que refletem a situação do poço e desejam lutar para que aquilo se transforme numa dinâmica solidária, afinal, se os integrantes dos andares superiores comessem apenas o necessário, todos do poço teriam o suficiente para se alimentar, mas não é o que acontece.
O filme é brilhante porque é simples demais, criativo, original. Reflete perfeitamente a nossa realidade e tem um final igualmente fantástico, quando mostra que o futuro e a possibilidade de mudança está sempre na geração seguinte ou numa esperança através de um gesto de solidariedade, como se decidir compreender seu fim!
Coincidência ou não, são 333 andares, o que resulta em 666 prisioneiros!
É óbvio que vale a pena assistir!
2 Comments
Carol, parabéns pela leitura do filme!
Eu e o meu filhote pegamos a essência desde o início, e faço questão de salientar que, foi ele (meu filho) quem citou, no início, que o mesmo se tratava sobre divisões na sociedade, e compreendemos facilmente a mensagem.
Super beijo, e sucesso!
vcs sao uma dupla muito top, Rodrigo!!!!! Obrigada!!!!