Para quem não fala mais de um idioma, deve ser difícil imaginar, o quanto uma língua é capaz de influenciar a cultura de quem a fala.
Quando se conhece outros idiomas, pode se perceber as diferenças entre um e o outro, e o quanto alguns significados podem ser expressos facilmente ou não numa determinada língua.
Há quem diga que a palavra saudade só existe na língua portuguesa, o que se trata de uma inverdade. Na língua alemã e inglesa, por exemplo, além de existir esta palavra, há outra de nível muito profundo para expressar um determinado tipo de saudade, que é a dor que se sente, ao se estar longe de casa ou de seu próprio país. Em inglês: homesick (doente de casa). Em alemão: Heimweh (dor da pátria). Ambas significam a saudade que se sente como estrangeiro ou quando se está longe do lar há muito tempo.
Algumas peculiaridades chamam a atenção em alguns idiomas, o que por vezes pode se tornar poético. Um exemplo da língua alemã: para muitos verbos, quando se adiciona uma determinada terminação (schaft), o verbo se torna um substantivo, como saber se transforma em ciência ( Wissen – Wissenschaft).
Para quem estuda alemão, compreender essas terminações ajuda muito a adivinhar algumas palavras ou deduzi-las, ao invés de ter que aprender uma por uma.
Para minha surpresa, o verbo Leiden, que significa sofrer, somado à terminação schaft não significa sofrimento, como seria uma natural dedução, mas paixão. O que me levou a uma reflexão poética sobre o próprio idioma. É como se a língua alemã automaticamente, por si só, considerasse a paixão um sofrimento nato.
Apesar de não falar japonês, recebi uma explicação sobre o idioma, que me fez compreender, porque a cultura dos japoneses é de tanta educação e gentileza. Na própria língua se está embutido o pedir permissão para falar e informar ao outro quando terminou sua vez de falar, para que o receptor possa então se manifestar.
Da mesma forma, no idioma japonês, cada vez que se menciona uma pessoa, ou se dirige a palavra a alguém ou sobre algo pertencente a uma pessoa, automaticamente deve-se inserir um elogio, caso contrário será considerado agressivo ou mal-educado, o que é complicado para outras nacionalidades compreenderem, já que se trata de algo inserido no próprio idioma.
Ou seja, os japoneses aprendem a falar, sempre pedindo permissão para os outros, informando que vão iniciar um discurso ou terminar um, além de sempre elogiar o próximo com quem se comunica ou sobre quem fala. A educação é parte do falar sempre.
Todos os idiomas têm suas peculiaridades e o estudo de línguas promove um aprendizado cultural, além da possibilidade de falar com estrangeiros.
Em grego, uma língua muito rica, foi descoberto quatorze palavras para expressar a palavra amor! Cada palavra é única e específica para cada tipo de amor, o que nos ensina não apenas o idioma, mas as diversas maneiras de amar do ser humano, que em português deverá ser compreendido através de explicações, enquanto que na língua grega, cada palavra já expressa por si só um significado diferente, não necessitando de explicação.
O linguista britânico Tim Lomas, professor de Psicologia Positiva na Universidade do Leste de Londres, afirma ter descoberto e catalogado a existência de, pelo menos, 14 tipos de amor divididos em quatro categorias distintas.
“Essas palavras podem revelar fenômenos (relacionados ao amor) que foram negligenciados ou subestimados em uma cultura”, explica.
A primeira categoria engloba as formas impessoais de amor, “sabores” do amor que não estão relacionadas a pessoas, mas aos sentimentos de pertencimento e de identificação que se estabelece com lugares, objetos ou atividades:
“Érōs” – o amor por objetos que apreciamos;
“Meraki” – amor por determinadas ações e atividades;
“Chōros” – o amor que sentimos por determinados lugares, especialmente pelos que chamamos de “lar”.
A segunda é a categoria do amor não romântico, que diz respeito aos sabores de amor estabelecido entre pessoas e por nós mesmos:
“Storgē” – o amor que protege, educa e cuida da família;
“Philia” – o amor que forma os laços que estabelecemos com os amigos;
“Philautia” – o amor por nós mesmos, capaz de construir nossa autoestima e a noção de autocuidado.
O amor romântico é a terceira categoria e abriga mais sabores de amor, inclusive um sabor azedo de se amar: a “Mania”, que representa o amor nos problemas gerados pela dependência e intimidade com o outro. Há mais quatro sabores de amor romântico:
“Epithymía” – é a forma do amor nos desejos sexuais e nas paixões românticas;
“Paixnidi” – amor romântico por nossos afetos;
“Prâgma” – é o amor presente nos relacionamentos duradouros;
“Anánkē” – é a forma mais abstrata, pois se refere ao amor à primeira vista, um amor por alguém que acabamos de conhecer e que não conseguimos evitar.
Por último, há as formas transcendentais de amor, em que o ato de amar é capaz de reduzir nossas próprias necessidades e preocupações em razão do outro e do coletivo:
“Agápē” – o amor relacionado à caridade e à compaixão desinteressada;
“Koinōnía” – o amor que leva a auto abnegação temporária quando nos conectamos com um grupo, com o coletivo;
“Sébomai” – é o amor que se refere a um tipo de devoção por uma divindade ou por crer em algo.
Se formos bom observadores e curiosos de nós mesmos, seremos capazes de perceber que passamos por todo tipo de amor catalogados acima em diferentes fases da vida.
Todos temos o amor por coisas, lugares e pessoas. E especialmente o amor pelas pessoas difere de um relacionamento para o outro, desde o amor para com um amigo, familiar, uma paixão, um desejo, um ídolo e assim por diante.
Se num momento da vida eu posso desejar alguém, em outro, posso sentir paixão, o amor passageiro, o amor à primeira vista, bem como o amor duradouro, que é quando quem ama passa a buscar seu amor pelo estado de alma e caráter e não mais só pela beleza externa.
O estudo das línguas feita pelo linguista britânico se tornou uma questão filosófica sobre a nossa capacidade de amar e de suas tantas variações no decorrer da vida.
Numa era onde logo não precisaremos mais aprender idioma algum, devido ao avanço tecnológico, certamente sofreremos a perda ainda maior do declínio de nossos vocabulários, seja em qualquer idioma, bem como a possibilidade de compreensão tão profunda que se tem do outro.
Nenhum computador será capaz de traduzir a sutileza cultural embutida em uma língua e a diferença que se tem entre uma cultura e outra por conta das diferenças de linguística.
Cabe a nós, humanos, a insistência em aprender e se reinventar, para que tradução nenhuma nos falte quando precisarmos compreender o que é o amor ou a vida!