Atualmente participando de um projeto que visa a implementação de princípios em uma empresa, passei por uma situação que me fez refletir os diversos níveis de valores à que somos submetidos diariamente. E mais, me fez me sentir cega, sobre como demonstrar valores mais profundos às pessoas com valores mais superficiais.
Justo hoje, quando recebi a confirmação de um problema de saúde, de cirurgia quase certa e compartilhei esta informação, também fui obrigada a me deparar com o deboche de algumas pessoas, pelo fato do meu sapato estar com o salto quebrado. Não pela primeira vez, estas falavam ao telefone e cochichavam assuntos de demais à nossa volta. Acostumada com o fato de que isto ocorre quase todos os dias, e de ser algo que parece fazer parte da cultura da empresa, já não me incomodo. Ainda que não compartilhe dos mesmos sentimentos e propósitos por trás de tal costume.
Quando finalmente percebi que todo o burburinho de fim de tarde entre as colegas era simplesmente por causa do meu sapato, (que, diga-se de passagem, está mesmo merecendo ir para o lixo), eu simplesmente fiz de conta que não percebi sobre o que estavam falando. E embora não tenha sido a primeira vez em que me finjo de morta mediante tal comportamento, foi a primeira vez em que me senti incomodada. E então elas vieram: as reflexões.
O fato de eu me fingir de morta, não colaborou em nada para que minhas colegas pudessem perceber a superficialidade de seus valores. Eu poderia ter dito algo à altura desse tipo de valor e ter citado algo como: “Pois é…, o sapato eu posso trocar. Mas não tenho necessidade de trocar meu rosto ou meu corpo”. Mas talvez essa resposta apenas provocasse as colegas. E eu simplesmente discordo dos valores de beleza como prioridade na vida cotidiana. Minha resposta de coração teria sido: “O sapato eu posso trocar. Pena que valores sejam mais difíceis de serem trocados”. Mas ainda assim, cheguei à conclusão de que a minha melhor resposta não respingaria nem perto do nível de consciência que gostaria de atingir. Uma vez que as crenças são tão distintas, cheguei à triste conclusão de que transmitir valores é algo quase que impossível de se fazer a curto prazo.
Me lembrei dos seis anos em que morei na Alemanha e gradativamente fui apresentada à um novo mundo, onde várias vezes, em estado de choque, fui obrigada a perceber o quanto era diferente e inferior nos quesitos disciplina, organização e cidadania, por exemplo. E apesar da afirmação também servir para o contrário, uma vez que também me percebi melhor em outros requisitos, sei que a exposição de uma pessoa à vivência em outro país, trás um choque tão intenso de valores, que mesmo sem querer e contra a sua vontade, o “estrangeiro” se torna um novo cidadão, certamente tentando se equilibrar com o melhor de dois mundos.
E então, na situação a que hoje vivenciei, me questionei sobre de que forma eu poderia contribuir para os valores das minhas colegas de trabalho. De que maneira se ensina a alguém que um sapato não tem mais valor do que uma pessoa? Como demonstrar que o comportamento e atitude de um colega valem mais do que seu mero calçado? Qual a melhor forma de se provar o valor do caráter através do desapego de valores inferiores, quando olhamos para aquilo que realmente vale na vida, independente de ser numa empresa, numa escola ou dentro de casa?
Eu me dei conta, de que por menor que seja o valor de um sapato, para muita gente ele vale mais do que tudo o que uma pessoa faz ou representa. E apesar de toda superficialidade contida nesta atitude, abrir os olhos de quem observa a vida de tão raso ponto de vista, é algo tão difícil quanto se consertar um salto quebrado.
Só que sapato novo se compra. Valores não!