O filme indiano Pad Man não é só mais uma super produção Bollywoodiana, mas é algo que vai além do comum – é inusitado! Pad Man é uma história verídica, singular e possivelmente única em tudo que ela representa e apresenta com tanta clareza e sensibilidade, a partir do olhar do seu protagonista.
Uma trajetória de coerência e altruísmo do início ao fim – de valores e princípios aplicados, do olhar amoroso para os que estão em volta , crença em si mesmo, talento natural e perseverança no propósito de vida. Surpreendente que, numa Índia secular de rígidos padrões culturais e religiosos, emerja espontaneamente e por amorosidade, uma percepção masculina sobre a fragilidade e desamparo femininos, e o desejo de contribuir para minorá-los.
Um filme inteligente que, a partir de um mote principal, vai desenrolando na tela diferentes tipos de preconceitos e manipulações onde as vítimas perpetuam os algozes e o próprio sofrimento. O olhar límpido do personagem Laxmikant Chauhan expressa ao mesmo tempo, sua incompreensão e empatia face aos excessos religiosos, seu cansaço de ver os que prosseguem seguindo a placa de “Siga aqui para Dinheiro” quando há e sempre houve inúmeras outras possibilidades como: “Siga aqui para um mundo melhor”, ou “Por aqui para um mundo mais justo, coletivo e equilibrado” e por aí vai.
Grande parte das histórias de superações que conhecemos de outros filmes, que nos levam as lágrimas, tem um final feliz com riqueza material, ou no mínimo uma situação financeira em ascensão, como se a felicidade estivesse obrigatoriamente de mãos dadas com o dinheiro.
Pad Man vem nos confrontar com atitudes , que na prática, avançam na direção contrária do que o mundo está cansado de ver, dia após dia, empresa após empresa, organização após organização, político após político, governo após governo, o que muitas vezes nós mesmos não conseguimos fazer. Como agir localmente atuando com diferença, melhorando o mundo a nossa volta? É preciso se tornar grande? Famoso? Conhecido? Rico? Para quê?
Numa das tantas frases do personagem Laxmikant Chauhan ele pergunta: “Por que eu tenho que ser rico para ser altruísta, se é possível ser altruísta primeiro?”. “Oi?”. Sim! É isso mesmo!
Certa vez, ouvi num vídeo de prosperidade financeira, uma afirmação que não me soou muito bem: “Temos que aceitar e alimentar o desejo de nos tornamos milionários, porque os milionários têm maiores condições de ajudar outras pessoas”. Lakshimi argumenta sobre isso de outra forma em sua história: se não houvesse tantos milionários e o desejo de tantos de se tornarem grandiosos, certamente não haveria tanta pobreza e miséria de outros. O custo de um é o preço do outro!
Isto não é obvio?
O altruísmo como argumento para o desejo de milhões na conta bancária é argumento hipócrita, para quem quer se sentir bem diante da própria ganância. O altruísmo não precisa de dinheiro. O altruísmo é feito de valores, vontade, empatia, o verdadeiro amor ao próximo, independente de quem este próximo seja.
O filme Pad Man, de 2018, foi escrito e dirigido por R. Balakrishnan, inspirado na vida do social ativista Arunachalam Muruganantham.
A história começa mostrando a paixão de Lakshmikant ou Laxmi, no diminutivo, por sua esposa, Gayatri . Ele mora com sua mãe, irmãs e esposa numa mesma casa, ou seja, rodeado de mulheres. Ele se incomoda com os dias de menstruação da mulher, que religiosamente, acredita que não pode ficar perto do marido nesses dias e nem ser tocada de forma nenhuma.
Laxmi não assume a cegueira fanática dos demais, mas respeita. No decorrer do filme, ele percebe que sua esposa utiliza um pano imundo para os dias de menstruação e se preocupa – a partir do ponto de vista de um médico local que o alerta o quanto isso compromete a saúde de milhões de mulheres indianas. Na Índia, cerca de 90% das mulheres não usam absorvente, mas panos sujos, folhas de árvores e até cinzas para ajudar a estancar o sangue nesse período, o que as leva a doenças e infertilidade.
Em seguida ele compra absorventes na farmácia, que custam muito caro no país, mas a esposa se recusa a usá-los porque há aí uma dificuldade dupla – são “coisas de mulher e tabu para os homens” e comprometeriam o orçamento doméstico já apertado. Como Laxmi não pode pagar pelo produto higiênico, ele decide criar seu próprio invento artesanalmente. Pacientemente, de experiência em experiência, que decorrem um desastre após o outro, se inicia a longa jornada do apaixonado indiano.
Ninguém o compreende. Num país onde as mulheres sentem vergonha de falar de menstruação, por que um homem se incomodaria com isso? Ele é chamado de louco, pervertido, traidor (quando as pessoas acreditam que ele está abordando estudantes de medicina para assédio, na verdade ele procura com dificuldade mulheres que testem seu produto). Até o momento em que, expulso de sua aldeia e comunidade, Laxmi perde tudo, a casa, a família, sua dignidade e respeito, e principalmente o que mais amava: a sua mulher.
Com sucessivas derrotas, sem dinheiro e sem estudo, decide reverter a vergonha sentida pela esposa, numa nova fase que segue ainda com muito esforço e percalços e novos personagens e situações marcarão a mudança de rumo de sua história.
O final dessa trajetória inclui não apenas sucesso, mas ativismo social, visibilidade aos menos favorecidos, apoio efetivo às mulheres em relação à saúde, empregabilidade e condição social, e reconhecimento nacional e internacional para seu projeto na própria ONU.
Pad Man é uma lição de vida, do futuro que precisamos construir, de uma nova percepção sobre o que a vida pode e deve ser, de como transitarmos de uma trajetória civilizatória que explora e deplora para uma situação de maior sustentabilidade humana, social e econômica e como nós podemos e devemos ressignificar os nossos sonhos, valores e caminhos.
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