O ganhador do Oscar de “Direção”, “Roteiro original”, “Melhor filme estrangeiro” e “Melhor filme” do Oscar de 2020 surpreendeu por ser o primeiro filme a vencer como “Melhor filme” em toda a história da premiação, não sendo americano. Mas o longa de Bong Joon-ho surpreende ainda mais pela qualidade do tema que traz, através de um roteiro espetacular.
Parasita é um soco no estômago por mostrar abertamente a diferença de classes na Coréia do Sul.
A noção que se tem de outros países está sempre limitada ao que se vê nos noticiários, documentários, filmes e quiçá viagens, para os poucos que tem a oportunidade de visitar outros países. Ainda assim, a percepção de poucos dias num determinado lugar está sempre no limite do que se está fazendo, sentindo, com quem se interage, em que parte do país se encontra etc.
Parasita mostra uma diferença de classe social gritante, bem como acontece no Brasil. A história de duas famílias que acabam coexistindo por um determinado período, aparentemente sem grandes consequências ou laços.
A primeira é pobre, constituída por um casal, pai e mãe, um filho e uma filha. Eles moram num porão, numa região pobre, sendo um local sujo, apertado, desorganizado, onde um homem bêbado faz xixi todas as noites em uma de suas poucas vidraças, por onde entra a escassa luz e o ar.
Todos estão desempregados e dobram caixas de pizza para ganhar o mínimo para sobreviver. Roubam sinal de Wi-Fi dos vizinhos. E mesmo em toda penúria se dão bem e se preocupam um com o outro. O problema não é o relacionamento, mas a extrema pobreza.
Por um golpe de sorte, um amigo do filho da família está deixando o país para uma temporada no exterior e lhe cede seu trabalho como professor de inglês para uma jovem rica.
A garota em questão pertence então a família rica, constituída por um casal, pai e mãe, a filha adolescente e um menino hiperativo, ainda criança.
A família também não tem problemas de relacionamento. Vivem numa casa extraordinária e tem uma governanta que lá reside e os serve vinte e quatro horas por dia.
Do início do trabalho do jovem pobre na casa da família rica, uma sucessão de acontecimentos naturais e forçados permite que todos os membros da família pobre se tornem funcionários da família rica. Sem o conhecimento dos patrões, de que todos eles eram da mesma família.
Uma teia de mentiras se instala a fim de que eles tenham um emprego. Não se trata de maldade ou crime, mas de uma luta ferrenha pela sobrevivência. Uma busca pelas migalhas.
De um lado, se tem a família extremamente pobre que trapaceia para ter emprego, comida e uma vida um pouco mais decente, do outro está a família rica, igualmente boa em sua índole, mas que diverge gritantemente em suas necessidades.
A mãe da família rica se preocupa com a hiperatividade do filho mais novo, com o trauma do menino quando fez seu último aniversário e do desenvolvimento de sua veia artística. Parece haver uma certa melancolia e monotonia na família, mas nenhuma grande preocupação. Por fim, festa e comemoração que veladamente, ofende a extrema pobreza da outra família. Assim como o Bullying pelo cheiro do pai pobre, o motorista da família, por conta do porão em que vive e do meio de transporte que utiliza.
Para nós, brasileiros, a trama talvez nem seja algo tão surpreendente, pois presenciamos ou vivenciamos situações absolutamente semelhantes, desde que nos entendemos por gente.
A grande sacada de Parasita é a surpresa em determinado ponto da história, que leva a trama a um lugar ainda pior e as nossas sensações para um desconforto muito maior, que obriga o sentir-se mal e com sorte o refletir sobre a desgraça da desigualdade.
Parasita não fala de relacionamentos, de amor ou de comunicação, mas efetivamente da desigualdade de classes. A história se desenrola de forma sutil, de maneira que gostamos de todos os seus personagens, sentimos pena e ao mesmo tempo admiração, torcemos por eles. Não existe um herói ou vilão que se destaque mais do que a própria desigualdade o tempo todo.
Uma guerra entre os membros dos mais desfavorecidos possíveis pelas migalhas das migalhas, sem que os ricos sequer os notem!
Um filme sutil, delicado e simples, mas que eleva o problema da desigualdade, ao ponto onde ela deve e sempre deveria ter estado: o de inaceitável!