Quando ainda morava na cidade de Sorocaba, há mais de dez anos atrás, me lembro de ter entrado numa escola para substituir permanentemente uma professora de informática. Adepta a falar bastante, logo de cara me dei bem com os alunos. Dentre eles, uma aluna mais tímida, mas que muito veio a me surpreender depois.
Não me lembro mais de todos os fatos e sequências. Até gostaria. Mas me recordo das risadas, dos encontros com os alunos e principalmente dos encontros casuais, quando os pupilos supostamente não deveriam me ver na farra, mas acabavam se juntando à elas. Bons tempos do calor sorocabano.
A menina tímida de quinze anos, foi se achegando em mim aos poucos. Conversava um pouquinho um dia, mais um pouquinho outro dia e assim foi indo. Na verdade, eu estava ganhando a sua confiança e não sabia. Desconfiada, me contou depois que não gostava de loiras. Ficou revoltada com a troca da simpática e “morena” professora por mim. “Onde já se viu?”, me disse ela. E continuou: “E essa professora ainda é simpática e sorri o tempo todo. Que audácia…”, foi o que ela disse a si mesma na época e mais tarde a mim. Eu estava alienada ao que se passava naquela cabecinha.
A garota tinha uma história triste. Tão jovem e já havia perdido a mãe para um problema do coração. Sem irmãos, ficou vivendo com a madrinha. Quanta dor não deveria haver por tamanha perda em tão tenra idade? Nunca consegui descobrir. Ela era uma menina única. Meiga, inteligente e forte.
Para minha surpresa, um tempo depois, descobri sua homossexualidade. Na época era uma surpresa pra mim, que uma mulher se descobrisse homossexual tão jovem. Ainda ignorante no assunto, não sabia que esse tipo de coisa se sente desde cedo.
A menina meiga e desconfiada acabou se apaixonando pela nova professora. Se de cara ela se revoltou com a mesma, tempo depois o encanto parece que a pegou de jeito. Eu não soube lidar muito bem com a situação. “Será que magoaria uma menina, tão nova com a minha falta de amor?” … Continuamos como sempre: amigas. Acho que no fundo sempre vi a menina como uma filha.
Os anos se passaram e nossos destinos nos afastaram. Mas o amor, o carinho e a saudade sempre ficaram lá: presentes. Por maior que fosse a distância, nunca ficamos sem nos falar. A meiguice dela nunca permitiu que isso acontecesse. Aos poucos minha aluna foi crescendo. Na verdade ela era baixinha e continua sendo até hoje. Mas a menina cresceu por dentro. Acompanhei o curso de sua faculdade, sua entrada no banco, sua promoção, a construção de sua casa e até o seu casamento. Ela cresceu!
Dona de uma fé inabalável na vida e de uma força que não sei bem ao certo de onde vem, vejo com orgulho a pequena transformada em mulher.
A menina que se autodenominava “Anjinho” muito me ensinou sobre o que é amizade. De dentro de uma sala de aula para a vida.
Ela nunca me falou, mas acredito que ela vive todos os dias de sua vida com o desejo do olhar, da presença de sua mãe. Mas eu acredito que ela sempre esteve ali. É da presença dela que vem toda força que ela tem.
Talvez seja por isso que ela se autodenomine “anjinho” …
Mas o anjo não é ela…