Motivada pela minha curiosidade sobre o comportamento humano, fui em busca de alguma resposta para entender minha prima Júlia. Aos nove anos de idade, Júlia passa ao menos uma hora por dia assistindo vídeos em um canal do you tube, com partidas de vídeo games sendo jogados e narrados por outra criança e sua mãe. Inicialmente eu só ouvia a tal narração e me parecia algo sem sentido. Uma mulher (a mãe) e uma menina (sua filha) ficam conversando sobre coisas aparentemente banais, enquanto Júlia fica vidrada na tela de seu tablet. Ao apenas escutar o diálogo, eu não conseguia compreender como Júlia não tirava os olhos da tela até por horas a fio. Então uma noite, me sentei ao seu lado e percebi que aquela conversa dava sentido ao jogo que as outras duas pessoas jogavam.
Apesar de então decifrado o diálogo, minha incompreensão permanecia. Se gravar uma partida de vídeo game, narrando-a ao mesmo tempo e em seguida publicá-la no you tube através de um canal, já me parecia algo sem nexo, ver uma criança vidrada naquilo me parecia ainda mais sem sentido. Por que uma criança assiste a outra pessoa jogar e falar sobre o jogo que está em curso? Qual a explicação para tal comportamento? E outro ponto intrigante: quanto dinheiro as pessoas estão ganhando com esses canais no you tube? Provavelmente muito.
Descobri que assistir partidas de video game jogados e narrados por outras pessoas simplesmente virou obsessão entre crianças e jovens no mundo inteiro. O jogo chamado Minecraft é campeão de audiência no you tube e segunda palavra com maior número de buscas no site, vindo atrás apenas da palavra “música”. O fato é confirmado por pesquisas que registraram o número de quase 4 bilhões de visualizações em um único mês durante o ano de 2015. O número de vídeos relacionados a este jogo chega a 42 milhões só no you tube.
Se a quantidade de vídeos não tem fim, o número de desafios do jogo também não, o que estimula a permanência nos jogos e nos vídeos indefinidamente.
Assistir aos vídeos dá mais poder às crianças, quando elas jogam suas próprias partidas posteriormente. E o fato de os desafios nunca cessarem, cria um estímulo contínuo para se permanecer no jogo. Fato é que a irritação dessas crianças também foi comprovada após longa permanência nos jogos. Também houve um estudo, comprovando que a massa cinzenta do cérebro, responsável pelo raciocínio, daqueles que passavam até 10 horas no jogo era menor do que os que passavam até 2 horas se entretendo.
Para alguém da minha geração, X, ainda que com todas as explicações sobre o sucesso e audiência dos games e seu vídeos, não é fácil compreender a graça do fenômeno. Mas para adultos que estiverem buscando compreensões como eu, ou sobre como agir a respeito do tema, vale lembrar que a vida é movimento. E principalmente para crianças que ainda estão em fase de desenvolvimento.
Não podemos negar que mediante uma sociedade em constante transformação, ainda iremos descobrir características e habilidades nas novas gerações, como a Z, as quais não possuímos. E entre manter o que acreditamos ser melhor e o que ainda desconhecemos, tentemos sempre o equilíbrio.
Sobre a Júlia, fica a segurança de que a mesma ama ler e fazer esportes. Apesar da minha estranheza e incompreensão sobre os vídeos, a menina vive a maior parte de seu dia de forma reconhecidamente saudável.
Entre todas as dúvidas que podem surgir sobre este comportamento das novas gerações, fica o bom senso sobre o que nunca irá mudar: uma vida de verdade acontece bem longe de uma tela.
https://youtu.be/GGpmLff5v6s