Desde o ano de 2006, quando morava na Alemanha e vivi a experiência de uma Copa naquele país, meus conceitos e sentimentos em relação ao Mundial mudaram radicalmente. Na época, eu inicialmente torci pelo Brasil, mas o motivo já era outro: eu queria que o Brasil ganhasse, para ter a oportunidade de conhecer brasileiros no país e atenuar a solidão que eu sentia. Mais tarde, com o Brasil fora da Copa, eu acompanhei a seleção alemã, torcendo por ela, simplesmente por ser do país em que eu morava. Mas com o tempo, vendo o empenho dos alemães, a tímida torcida que surgia e o significado daquilo, eu realmente comecei a torcer por eles de coração. Senti quando eles ficaram em terceiro lugar. Por vários motivos eu cheguei à conclusão de que a Alemanha merecia ser campeã. E a Copa de 2006 me ensinou muito mais do que todas as outras copas juntas.
Para quem me conhece, sabe muito bem que eu não gostei de morar na Alemanha e não me adaptei à cultura alemã por achar a mesma muito fria. Porém, reconheço as qualidades que o povo alemão possui, sendo muitas delas, características que nós, brasileiros, ficamos muito aquém.
Um dos motivos pelos quais eu não gostei de morar na Alemanha é também a mesma razão, pela qual o país se encontra muito melhor do que o nosso: o alemão é briguento! E muito! Ele não precisa estar acompanhado para iniciar uma discussão em qualquer lugar que seja: na rua, no trem ou num restaurante. Um alemão briga por tudo que achar que estiver errado. Eles se chamam a atenção mutuamente para o que acreditam ser certo. Se há regras, eles cumprem. E esqueça o “jogo de cintura” ou o “jeitinho brasileiro”. Essas coisas não existem na Alemanha. Mesmo que você seja um turista, se você fizer algo errado no país, esteja preparado: um alemão vai advertir você! É assim que funciona!
Eu demorei para conseguir impor respeito com a minha presença no país. Para isso foram necessárias duas coisas: falar alemão razoavelmente bem e saber entrar numa briga. Quando voltei ao Brasil, pude com alívio voltar a ser quem eu era. Mas eu nunca me esqueci da forte característica alemã. Mas também entendi, que se por um lado era difícil conviver com eles pela típica rigidez, por outro, essa característica era provavelmente a maior responsável pela organização e disciplina que existem no país. Se alguém atravessa a rua com o farol ainda vermelho, os alemães chamam a atenção. Se alguém rouba, o alemão pune. Se o médico falta ou a polícia falha, o alemão exige. E assim por diante.
A Alemanha é um país rico, organizado, onde quase tudo funciona. O alemão pode se dar ao luxo de canalizar suas energias para um time de futebol. Mas o que dizer de nós, brasileiros, que ainda não aprendemos a brigar pela educação de qualidade? Pela saúde e segurança? Há tanto a se fazer, que não consigo ver com olhos alienados toda a energia que o brasileiro despende ao futebol.
Não sou contra o futebol e nem contra uma copa do mundo, mas a Alemanha me ensinou muito sobre o que faz um bom país: prioridades! Um povo deve saber escolher as suas e lutar por elas.
A Alemanha ganhou a Copa 2014 e admito que fiquei feliz. A seleção é quase a mesma desde 2006. Amei o filme: “Alemanha, um conto de verão”, documentário real da seleção alemã durante os bastidores da Copa 2006. Chega a ser surpreendente as diferenças de comportamento. Não há como não torcer por eles. Simplicidade, inteligência e muita, muita disciplina.
Para quem não sabe, fica aqui um importante registro: “O circo teve sua origem em Roma, há mais de 200 anos antes de Cristo. Naquela época, o circo fornecia à população o divertimento necessário para que não houvesse atos revolucionários.” (Política do pão e circo).
A diversão foi criada para distrair o povo de suas escassezes e evitar sua rebelião contra os governantes. O papel do futebol em nossa sociedade hoje não difere muito disso. Mas o errado não é o futebol. E nem o circo. Errado é realmente se esquecer do resto, se permitindo a manipulação. Se distrair a tal ponto de deixar o próprio país de lado, o que significa o seu próprio bem estar.
Antes do desejo de se vencer uma copa, deve existir o desejo de se vencer na vida, no próprio país! Depois a gente vai ao circo!
2 Comments
Amei Carolina seu texto, futebol deveria ser hobby, mas se tornou prioridade. Nosso caminho a civilização é muito longo..não sei se chegaremos lá.
obrigada Elizabeth!!!!!!!!!!!!! estamos em transição, sempre rumo a evolução. a nivel individual ou social, sempre nos custam algumas dores…. mas certo que um dia chegaremos la. um beijo e bem vinda sempre!