Há de se relevar muitas coisas nessa vida. Poucos segundos podem significar anos de tristeza, tamanho o significado que eles venham a representar. Somos responsáveis por nossos segundos de ira, desrespeito, toda falta de amor e compreensão. São nesses perigosos segundos, que são causados estragos irreparáveis.
Em um único segundo, podemos receber um olhar de rejeição no momento mais carente de apoio. Ou podemos ouvir uma palavra de ódio, quando esperávamos amor. Podemos ver uma única cena, que se fixa em nossas memórias para o resto de nossas vidas.
Devemos estar atentos aos nossos segundos de desequilíbrio, para não causar a ninguém, o que certamente já nos causaram um dia. Não sejamos nunca adeptos ao “Olho por olho, dente por dente”. Pois tudo que vai, um dia volta. Somos seres errantes por natureza, aprendendo com as dores da vida. Mas uma vez cientes de nossas responsabilidades com o próximo, temos que relevar os segundos de dor que um dia também nos foi causado, evitando sermos a causa de qualquer instante sofrido de alguém.
Gosto de ouvir histórias reais. Me identifico com as dores alheias, as sentindo como um alívio das minhas próprias dores. A dor geral que nos acomete a vida é tão solidária, quanto um abraço. Injusto e mais dolorido seria, se sofrêssemos sozinhos. O sofrer e o partilhar do mesmo, nos torna unidos na difícil arte de sermos humanos.
Em recente história ouvi o seguinte: em uma fase ruim de sua família, uma pessoa resolveu sair de casa. Após essa mudança, em sua primeira visita ao antigo lar, percebeu que seu quarto havia sido transformado num “closet”. Imaginei o instante em que esta pessoa abriu a porta do que costumava ser seu quarto e não o encontrou mais. Um segundo de um choque, que poderia levar anos há ser digerido. O quanto de amor não seria preciso, para se relevar este único momento? O quanto de maturidade e compreensão seria necessário?
Recentemente, eu dei algo para alguém. Em seguida, vi o que havia dado, coberto de migalhas de pão. O meu presente dado com tanto carinho, não parecia ter o mesmo valor para a outra pessoa. Eu tirei as migalhas que estavam sobre o presente e o coloquei em um lugar mais limpo. Pensei em outras atitudes desta pessoa e consegui encontrar motivos para relevar o fato.
Pensei na amiga que foi adotada na infância e alguns anos depois, foi devolvida para sua mãe biológica. Foi esquecida e abandonada pelos pais adotivos que tanto amava. Neste caso, seus segundos não se transformaram em segundos, mas anos de dor.
Apesar de toda idade e qualquer lição que já tenhamos tido, somos por dentro crianças frágeis, carentes de amor e proteção. Podemos fingir força nos segundos que nos ferem por dentro, mas acabamos por guardá-los, por toda uma eternidade. Para esses segundos: amor, tolerância e compreensão. Ponderação.
Sejamos fortes e maduros o bastante, para limpar as migalhas de pão sobre as nossas feridas. E mais fortes e amorosos ainda, para não derrubarmos uma migalha sequer sobre o próximo.
Pois um segundo ou uma migalha de pão pode parecer pouco aos olhos de um, mas pode ser que seja uma eternidade no coração de alguém.