Licença poética é definida como: “uma incorreção de linguagem permitida na poesia. Em sentido mais amplo, são opiniões, afirmações, teorias e situações que não seriam aceitáveis fora do campo da literatura”.
O famoso José Saramago, por exemplo, escrevia sem fazer o uso das regras de acentuação, textos sem vírgula eram para ele algo normal e corriqueiro. Clarice Lispector em “A hora da estrela” intercalou sua narrativa com descrições sobre o que sentiu e o que pensou sobre sua personagem principal e sua vida medíocre e sem sentido. E o que mais chama atenção neste livro não é a história contada por Clarice, mas sua sinceridade e narração sobre si mesma durante o ato da escrita. A autora não gostava de sua personagem e isto é fantástico!
Acredito que todo escritor se orgulha de poder escrever direito, mas mais do que isto: o escritor se orgulha do direito de escrever.
Não importa que idade se tenha, nem quantas experiência já vividas. Quem tem o dom e a naturalidade de se expressar através da escrita, também já adquiriu a liberdade de ser quem se é. Um escritor não mente. Não seria possível sustentar uma mentira por tantos parágrafos. Em alguma incoerência ela apareceria. É claro que há diferenças percebidas num escritor entre uma obra e outra, mas ali está escanracada sua maturidade adquirida na vida e na escrita.
Gosto de pensar que licença poética não é apenas um direito adquirido para se escrever como se deseja, mas também de escrever sobre o que quer que se deseje.
Para o bom escritor não é preciso um momento de inspiração. A inspiração o ronda em todo e qualquer momento. A inspiração está no seu olhar, na sua maneira de enxergar e sentir a vida, que o difere da maioria. Um pássaro no céu não é apenas um pássaro no céu, mas uma reflexão sobre a liberdade de pertencer ao céu. Uma criança gritando na padaria que quer um doce é mais do que um momento de malcriação, mas um texto sobre a educação atual de nossos filhos. E por aí vai.
Quem acompanha o trabalho de um escritor é capaz de perceber seu estado de espírito e de evolução na vida. Reconhece suas fases e perturbações em sua maneira de se expressar, nas suas histórias e emoções. Um escritor quando não escreve em primeira pessoa do singular, se mistura com a terceira, tanto do singular quanto do plural.
Um escritor é o que ele escreve. Está lá: registrado em cada linha, nas vírgulas ou na falta delas. Nas histórias vividas, sonhadas ou imaginadas. Nas dores sentidas e expressadas em palavras. Nos amores não correspondidos. Na solidão de sua intensidade e na incompreensão alheia de tanta autenticidade.
A licença poética de um escritor não está apenas na forma de se escrever. Está no ato de escrever. De colocar em palavras o que se é e tudo o que se sente. O que pode e o que também não pode.
A arte de expressar a própria vida, escancarando em palavras o próprio ser, o que se faz e o que se pensa: um eterno amar e sofrer.
1 Comment
Amei o texto! lindo lindo lindo!
Um abraço e sucesso pra você!