O quanto é preciso conhecer de uma história para se encantar por ela? Seus personagens, seus detalhes, seus pontos altos e baixos?
Recentemente em sala de aula, me surpreendi com o orgulho que ecoava na voz de uma colega ao falar de seus pais. Talvez ela até já tivesse falado antes, mas eu tão frequentemente absorta em minhas próprias preocupações, ainda não havia percebido.
E neste dia, eu ouvi a Deuslite dizendo: “Meu pai é jardineiro, minha mãe é faxineira, e eles sentem orgulho por eu estar aqui. E eu sinto muito orgulho de tudo que eles fizeram por mim”. Se referindo ao fato de estar numa curso caro e não para qualquer pessoa. Achei linda a trajetória, que imaginei haver por trás desse comentário. Mas o mais profundo era o orgulho contido na voz da minha colega. Eu me senti feliz por ela e até pude compartilhar o seu orgulho, tamanha a verdade em sua voz.
Pensei em quantos pais que não apoiam seus filhos, por terem interesses diferentes dos mesmos. E nos tantos jovens, cheios de oportunidades desperdiçadas em suas vidas. Na vergonha que algumas pessoas carregam, por não terem os pais que gostariam de ter tido, ou no desgosto escancarado de alguns pais, por não verem em seus filhos o que eles queriam.
Segundo a psicologia, apenas vinte e cinco por cento das famílias podem ser consideradas equilibradas e amorosas, enquanto que as demais vivem à beira de um emaranhado de problemas, mágoas e revoltas.
E eu me encantei pelas palavras da Deuslite. Pouco sei sobre ela e pouquíssimas vezes conversamos, mas senti a sinceridade de seu orgulho e amor, tanto pelo seu pai, jardineiro, quanto pela sua mãe faxineira. Conheço pessoas que esconderiam verdade tão simples, para manter um status mais atraente perante a sociedade.
A Deuslite chegou aonde chegou à custa de gramas cortadas e casas faxinadas, roupas lavadas e provavelmente muito cansaço. Mas o mais bonito de sua história, mesmo que se saiba tão pouco, não é o fato de ela estar já numa Pós-Graduação. Mas o fato dela ter a benção de fazer parte dos abençoados vinte e cinco por cento da sociedade, uma vez que ela vive em amor, tolerância e sabe-se lá mais o que, que permite a tão pequena porção de nós mesmos, serem diferentes dos demais. O mais bonito é se ter noção e gratidão pelo fato.
Independente de números e porcentagens, títulos de graduação ou especializações, é o amor que carregamos no peito e a gratidão por tudo aquilo, que nos foi oferecido pela vida, por familiares, amigos e até mesmo desconhecidos, que nos torna realmente diferentes.
Enquanto grande parte da sociedade dispende sua energia em busca de status, poder e grandeza, poucos de nós encontram a verdadeira paz de espírito, para a segurança da alma no mundo caótico e imprevisível em que nos encontramos.
Enquanto alguns se lamentam pelo que não tem, as pessoas de verdadeira sorte agradecem a cada segundo, o tanto que a vida lhe deu. Mesmo que aos olhos de outros possa parecer pouco.
Tudo é uma questão de ponto de vista.
Uma grama cortada e uma roupa lavada, para alguns, pode ser apenas um serviço.
Para outros, um ato de amor.