Entre o anúncio de um fim-do-mundo e outro, a necessidade de parar de assistir aos telejornais e de me desligar das redes sociais, a fim de não enlouquecer com o excesso de informações vazias, encontro refúgios para a alma, quando tenho o privilégio de me deparar com outros mundos. Bem longe e diferente do meu, aparentemente caótico e frio, da vida desenfreada na cidade grande, moderna e em constante e “duvidosa” evolução.
Sempre com pressa, no ritmo da dopamina, que alimenta o vício entre um clique e outro, um compartilhamento e mais um vídeo, inúmeras informações desnecessárias, sobre quem comeu o que na hora do almoço, quem está odiando quem, após mais uma falcatrua do governo, a foto não sei de quem, com filtro não sei de onde, postada ao lado da outra foto, sem retoques, tutoriais intermináveis sobre maquiagens, esmaltes, promoções imperdíveis, correntes milagrosas, animais fofinhos etc etc etc, me pego num breve momento de paz nas fotos e mundo de Lu.
Eu acho que a Lu é mesmo real, tanto, que parece mentira. A moça jovem e bonita mora numa cidade pequena, longe daqui. Mesmo em seu mundo, eu passo depressa, embora lá, às vezes, eu me demore um pouco mais, alguns segundos, talvez. Na ânsia do mundo moderno e dos cliques compulsórios, entendo que Lu seja jardineira, ou paisagista. E ainda um pouco artista, ou muito. Ela parece moldar esculturas, além de todo o jardim a sua volta.
Lu sempre posta fotos de jardins, flores e plantas. Tem lá seu amigo coelho que a acompanha todos os dias. Mas não é domesticado não, ele é morador do jardim, do mundo de Lu, onde trabalham todos os dias, domingo a domingo, faça chuva ou faça sol. E vejo claramente que não é necessidade, mas amor a vida e ao mundo lindo que ela mesma inventou.
O mundo de Lu quase sempre tem sol, todo dia tem flores, plantas e verde, comida saudável que ela mesma faz. Por vezes ela é visitada por crianças, mas seu companheiro fiel é sempre o coelho. Imagino alguns passarinhos e borboletas a sua volta, dada a beleza de tudo que vejo.
Outro dia a Lu estava triste por conta de um amigo inusitado, um velho sapo. Quem aqui na cidade grande seria amiga de um sapo, ainda por cima, velho? A pobre moça escreveu um longo texto, que refletia sobre seus sentimentos em relação aquele animalzinho, que havia morrido em seu jardim. E ela se sentia culpada por nunca ter pensado antes, que aqueles seres também envelhecem e morrem, com ou sem dignidade.
Quando li o texto do amigo sapo, me lembrei o quanto eu mesma já havia escrito sobre a morte e a dor de alguns animais abandonados à própria sorte. Com o tempo e a evolução (?) de cada dia, vejo que na maior parte do tempo, vou me afastando de tudo isso. Pensar em sapo para que? Sapo só no mundo de Lu.
Onde já se viu? Acordar cedo e passar o dia num jardim, em meio aos pássaros, borboletas e flores, ainda mais acompanhada de um coelho? Come-se bem, vive-se devagar, se movimenta constantemente e se sente os raios de sol e o ar fresco durante todo o dia. Ao entardecer o pôr-do-sol e ao anoitecer, uma bela e merecida noite de sono ao som de grilos do jardim. Parece mais uma história de Alice no país das maravilhas.
Logo eu, que acordo cedo e já pego o trânsito, ouço as buzinas dos carros e incessantes motoboys, passo o dia fechada num prédio com janelas de vidro e com um bom ar condicionado, volto para meu apartamento sem nenhum jardim e borboletas a minha volta. Logo eu que sonho com o ar livre e os pés na grama ou o corpo no mar…
Vejo o mundo de Lu por alguns segundos, reflito, sinto. E sigo para o próximo clique.