Recentemente envolvida num projeto, para mim, inovador, tive a oportunidade de perceber o “ser humano” de uma nova forma. O trabalho tinha a ver com a doença ELA, Esclerose Lateral Amiotrófica. Escrever algo que estava relacionado a este assunto, certamente, traria a necessidade de entender a doença e principalmente os seus portadores.
Inicialmente, imaginei como seria conviver com uma doença, que tira todos os movimentos do corpo, mas mantém o nível de consciência em perfeito estado. Além das leituras que fiz sobre o assunto, também assisti alguns filmes que falavam sobre o tema. Conheci a associação no Brasil que dá suporte aos doentes, a Abrela. E por último, mas o mais importante, fui conhecer pessoalmente um de seus pacientes.
Se inicialmente senti receio por este encontro, hoje posso dizer que aguardo pela possibilidade do próximo. Conhecer alguém que se vê obrigado a enfrentar uma situação tão cruel é, no mínimo, uma experiência de vida.
Somos ingênuos, quando vemos alguém numa situação de doença ou deficiência e sentimos pena. Seres humanos, quando são destinados a passar por situações de extrema dor ou limitação, não se tornam menores, se tornam maiores, mais fortes, corajosos e destemidos.
Este processo não acontece da noite para o dia. Como tudo na vida, demanda tempo, tristeza, revolta e só depois a aceitação. Daí em diante, o crescimento e amadurecimento tomam conta. Não à toa a pergunta: “De que doença da alma a sua doença física lhe curou? ”.
A limitação ou dor física nos promove, após a revolta, uma infinidade de reflexões, que são a viagem para dentro de si mesmo, a visitação de todos os lugares em que já se foi, além de tudo o que já se fez e o que se deixou de fazer.
Uma doença ou deficiência nos limita o físico, mas expande a consciência e por consequência o amor. Eu mesma me deparei com a depressão de inverno nos seis anos em que me vi fora do Brasil. Num misto de raiva e tristeza, a solidão dos dias de frio e neve, me tornavam prisioneira de uma vida que me fazia só, porém, nunca me visitei tantas vezes quanto naqueles anos. A dor é o que nos chama verdadeiramente para nós mesmos, promovendo o autoconhecimento e a sabedoria da vida.
Perder o domínio do próprio corpo e se tornar aos poucos um prisioneiro de si mesmo, por incrível que pareça também promove uma libertação, de tudo que se acredita, para algo que obrigatoriamente se torna maior.
O que é viver numa cama e cadeira sem qualquer possibilidade de se movimentar, exceto pelo piscar dos olhos? Como é não poder mais falar, comer, tocar, se mexer? Quais as sensações de se viver aprisionado em um corpo inerte e com a mente sã? O que pensa alguém nesta condição? A falta de esperança pela ausência de cura, se transforma numa nova forma de vida. O viver bem com seus próprios pensamentos. O se tornar positivo, mesmo quando o seu corpo se torna algo negativo.
De onde o ser humano tira tanta força, para se superar num momento de vida até o fim deste caminho? Da vida espiritual que se carrega, da força sobre humana que somos capazes de atingir, quando a vida nos força a isso.
Fugimos da dor e evitamos todo e qualquer sofrimento, mas nos esquecemos que ambos são os que nos permitem fugir de nossa própria pequenez, para algo que realmente dê sentido à vida e toda a sua falta de respostas.
No fim de tudo isso, a dor promove não só a sabedoria, mas o mais verdadeiro sentido da vida. E o amor na sua forma mais profunda se faz presente.