Toda vez que faço aquela curva, observo as duas cruzes de madeira. Há três anos dirigindo por essa estrada, sempre me deparo com elas ali, bem no meio da curva. Sempre bem cuidadas, com flores e pintadas. Meu pensamento se vai junto com elas.
Sempre acabo lembrando de minha mãe; com sua constante aflição diante de uma viagem minha. Não me assusta a ideia da morte. Apesar de cruel o “ir-se” deste mundo por acidente de trânsito, ainda assim, não é a morte dos ali representados que me emociona.
Eu sinto mesmo é por quem ficou. Afinal, quem é que mantém aquelas cruzes sempre tão bonitas, tão à vista de quem passa? Elas não são despercebidas, mas vivas, apesar do que representam.
Elas me fazem pensar e quase sentir a dor de quem ficou. Desde quando elas estão lá? Este ou esta que ficou, parece ter parado no tempo; não ter superado a dor de sua grande perda. Afinal, quem se foi: seus pais? Seus filhos? Ou irmãos? Qual é a dor que ela carrega? Quantas vezes por semana ela vai até ali, arrumar as cruzes? Não seria melhor esquecer? Deixar que as cruzes simplesmente também se fossem? …
Qual é o sofrimento que se carrega pela perda de um ente querido? E então de dois? Quanto ele pesa? E quanto tempo ele fica? Será está a cruz, que quem ficou, levará por sua vida inteira?
Não conheço sua história, não sei quem é e nem mesmo quem são os que se foram, mas ainda assim, o gesto desta pessoa, de manter as cruzes ali, me toca profundamente. Será que foram enterrados neste local? Acredito que não. Mas porque manter suas cruzes bem ali, no meio de uma curva na estrada? Será que se acredita, que o local de falecimento também é um lugar de sepulcro?
Me comove o peso deste que ficou. Fico a imaginar duas crianças que passavam na beira da estrada e que foram atingidas violentamente pela força de um carro. Ou um casal de idosos que caminhavam no acostamento. Tão perto da cidade, bem poderiam ser pessoas do campo. Por último, imagino um automóvel que capotou na curva. Acho que são da mesma família. Se eram amigos, foram para sempre. E o sempre deles talvez não tenha durado muito.
Morrer faz parte da vida, da história de cada um de nós. Na verdade, a única parte da história da qual nunca vamos saber. Só os que ficam é que sabem e falam sobre ela. São eles que sentem e sofrem o nosso final: os que ficam.
Todos nós um dia iremos enterrar algum ente querido. Se isto não acontecer, será porque fomos enterrados primeiro. De um jeito ou de outro, é natural que um dia venhamos a conhecer a dor de tal perda. Uns antes, outros depois. Quanto depois, melhor.
Não tenho medo de morrer, só espero que seja breve e sem dor, como um rápido suspiro. Maior do que o medo de enfrentar a morte é pensar na dor dos que ficam. Espero ir em paz. Mas mais do que isso, espero não deixar nenhuma cruz aos que ficarem. Nada para pintar ou decorar. Espero que sigam com suas vidas e sejam felizes. E que minha lembrança lhes traga um sorriso. Um sorriso que lembre os meus muitos risos. Que o pesar de minha ida seja leve e breve.
Para mim, por favor, nenhuma cruz na estrada ou onde quer que seja. Quando eu for, que se saiba: eu fui em paz. Fui feliz. Que não se cative uma cruz e todo o peso que ela deve criar. Desejo aos que ficarem a paz de não carregar cruz alguma. Para a vida de cada um, já bastam suas tantas outras cruzes.
E enfim, a compaixão aos que não conseguem se libertar de suas cruzes e sofridos sepulcros.
Que as cruzes nas estradas da vida sejam apenas um breve pesar, um pensamento que chega e se vai, apesar do que escolheu cativar sua cruz. Pois na verdade, pode ser que nunca se tenha conseguido deixar de cativá-la. E que assim seja até o fim, para a paz de uma terceira cruz ao lado delas. Cruz desejada, do descanso de finalmente se estar com elas.