Acho bonito como a maioria das pessoas na minha cidade natal, sempre agradece com a frase “Deus te abençoe! ”. Penso que ao mesmo tempo em que este comportamento reflete a alma de uma cidade pequena e do interior, também demonstra a humildade das almas de seus habitantes.
Se compro algo numa loja, pagando muito ou pouco, logo ouço a frase: “Deus te abençoe”. Se compro um mísero salgado ou uma folhinha de zona azul, que custa apenas um real, também recebo o agradecimento.
Confesso que cada vez que ouço a frase, recebo-a com gratidão. Sinto a sinceridade na voz de quem a ecoa e recebo em mim o desejo de que minha alma possa ser igualmente abençoada: com simplicidade. Mergulho em reflexões sobre de onde venho e como me tornei diferente de meus conterrâneos em alguns aspectos. Penso na diferente energia que percebo a minha volta, quando numa cidade grande ou até mesmo em outro país.
Não creio que a frase seja simplesmente uma questão de fé. A cultura que permeia uma sociedade se forma pela intensidade em que se é aceito pelos demais. Alguns manifestam um determinado comportamento, e se o mesmo repercute bem, se propaga entre os demais. Imagino que em algum momento da história, alguém teve a ideia de pronunciar a frase, a cada vez que era bem-sucedido em uma venda ou numa negociação qualquer, ou quando simplesmente se sentiu feliz.
Quem mora em cidades menores possui a benção de não ser um ninguém qualquer, invisível e desconhecido. Os cidadãos podem se sentir ilustres, pois todos possuem nome, endereço e uma história. Se alguém passa mal na rua, jamais ficará desamparado. Logo aparecerá alguém que o conheça e o leve para casa.
Os todos conhecidos de uma cidade pequena parecem rir mais, pois ainda que não tenham uma infinidade de teatros, cinemas, parques e shoppings à sua disposição, divertem-se com o bom bate-papo na rua, em qualquer esquina e a qualquer hora, sem medo do que um estranho possa lhe fazer.
Os menos favorecidos de cultura que a cidade grande proporciona, são bem mais favorecidos que os da capital, no sentido de relacionamentos amistosos e sem interesses.
Quem imaginaria um bando de jovens observando o céu numa madrugada, ao invés de estarem numa boate badalada? Tomando um banho de rio ou banhando-se em cachoeiras após uma trilha ao ar livre e com pessoas que se conheceu no caminho, ao invés de uma tarde no shopping?
Após alguns anos longe “de casa”, sempre me pego em reflexões, quando visito a “terrinha” de meus pais. Talvez, sempre fique aquela pergunta sobre um dia ter ido embora, em busca de um não sei o que, que minha alma teimava em buscar. Terá valido a pena? Todos os percalços da vida fora dali, bem como alguns valores e inocência que deixei no caminho?
Me tornei alguém diferente do que um dia eu fui. Mais forte e preparada para as dores da cidade grande, cheia de solidão no meio de um monte de gente, desconfiança e maldades que até Deus duvida.
Contudo, tenho a certeza de que minha alma ainda está lá, com todos aqueles que sabem meu nome, onde moram meus pais e os trajetos de minha história. Para esses, que mesmo longe, me permitem a dádiva do pertencimento, ecoa em mim o desejo que recebam de volta, com toda a intensidade, as inúmeras vezes que mencionaram a frase.
“Deus lhes abençoe! Hoje e sempre! ”.