O filme espanhol “O vazio de domingo”, certamente, não é um filme comercial. Longe do enredo comum, do interesse da maioria e de final feliz, o longa parece se tratar muito mais da liberdade artística de quem o escreveu e o dirigiu, Ramón Salazar, do que da obrigação do sucesso de bilheteria.
Assistir a este drama me fez lembrar de uma cena muito peculiar em minha vida, quando a minha mãe terminou de ler um de meus livros, “As várias mortes de Amanda”, e indignada com o final, ela me disse: “Você não pode terminar um livro assim”. Eu sorri e gentilmente respondi, que a história era minha e eu estava satisfeita com seu final inusitado, independente de como as pessoas o compreenderiam, certa da minha realização, da mais pura e autêntica liberdade de expressão.
Tanto o meu livro quanto este belíssimo filme são formas de arte em essência. Independente, de onde veio a inspiração, fato é que ambos representam dores profundas, que se estendem por anos, como que conectadas do cordão umbilical até a morte.
O vazio de domingo traz a história de uma mulher adulta, que abandonada pela mãe, aos oito anos de idade, ainda buscava, dia-após-dia, preencher o vazio de nunca ter recebido uma explicação, um pedido de perdão, mas acima de tudo, o sofrimento e a profunda presença de ausência e rejeição. A falta que se torna maior do que tudo que se tem.
Quantos de nós passamos a vida tentando nos curar de nós mesmos, de alguma dor que ficou no passado, enraizada como que em concreto? Não somente o abandono de um pai ou de uma mãe é motivo de uma vida vazia, mas a vivência de um trauma, como uma violência, medo, falta ou ainda o testemunho de uma dor de quem se ama.
Com as maravilhosas e emocionantes representações de Bárbara Lennie, no papel da filha abandonada e de Susi Sánchez, como a mãe, a trama do belíssimo filme começa com o inusitado pedido da filha, para que sua mãe passe dez dias com ela, após toda uma vida longe uma da outra, sem nenhum esclarecimento.
Num enredo silencioso e lento, algumas cenas deixam clara a presença da criança abandonada na mulher adulta, como a simulação do salvamento de uma cachorra, para se expressar os sentimentos medo e abandono; o passeio num carrossel; a provocação adolescente através da bebida e um encontro amoroso do mesmo tipo.
O decorrer dos dez dias acontece de maneira fria e com estranheza, mas que demonstra, que mesmo diante da ausência e do abandono, os laços familiares não se dissipam, mas se tornam mais fortes, tanto no amor quanto na dor. Numa falta de amor revertida em mágoa, espera, raiva e feridas abertas que nunca cicatrizam.
As respostas para questões, que se deseja compreender desde o início, vão surgindo ao longo da história, como: “Por que a mãe foi embora, quando, como? ”, “Por que a filha reapareceu agora e pede dez dias sem qualquer explicação?” , “Quem são os coadjuvantes dessas pessoas?”, “Haverá um pedido de perdão?”.
O vazio de domingo é um filme imperdível para os amantes da arte, para as pessoas sensíveis, que gostam de ver no outro a dor da fragilidade humana, para sentir a própria compreensão sobre a vida e suas delicadezas.
O vazio de domingo pode até mostrar o vazio de uma existência, mas é capaz de nos levar à inúmeras reflexões e despertar a mais adormecida das sensibilidades.