Quase que a minha vida inteira, escutei minha mãe repetir a história da minha “milagrosa” existência. Antes de eu existir, ela havia feito ligadura de trompas: método contraceptivo com quase cem por cento de eficácia. Somente casos raros registraram gravidez após tal cirurgia. Bem, aí começou a minha história: no zero vírgula um por cento de chance de erro. Não fosse já raro o bastante, logo que minha mãe descobriu a gravidez, ela também soube que estava com tuberculose no rim. Correndo risco de vida, ouviu dos médicos que o melhor seria praticar um aborto. Contudo, feliz por ser mãe novamente, seguiu em frente com a gravidez. Como se a história já não estivesse interessante, eu ainda nasci aos oito meses de gestação, com vários médicos na sala de parto, tentando entender como aquilo tudo havia ocorrido. E aquilo tudo era eu…
Minha mãe sempre acreditou que eu era especial, como toda mãe pensa a respeito de seu filho, sejam quantos forem. Mas no meu caso em específico, sempre ouvi que minha vida deveria ter um bom propósito, pois a história do meu existir era algo tremendo aos olhos de quem me deu a vida.
Não vivi pensando nisso: nem na raridade da minha existência e nem na crença de que era especial. Até que um dia eu também engravidei. Portadora de um problema hormonal crônico, quando a minha médica viu o resultado do meu teste de gravidez, ela perguntou: “Como você conseguiu isso, menina?”, se referindo ao fato de mais uma existência rara estar ocorrendo diante de seus olhos.
Tempos depois uma amiga me confessou: na época em que me viu grávida, ela torceu que eu abortasse. Sentia pela idade que eu tinha e pelos possíveis problemas que iria enfrentar. Mas anos depois, quando se tornou médica e entendeu a fundo o meu problema com hormônios, se sentiu aliviada por eu ter seguido em frente, provavelmente, com a minha única chance de ser mãe. Eu finalmente entendi que meu filho também era um milagre. E quando ele nasceu, duas curiosidades chamaram a atenção: ele chorou dentro da minha barriga e se agarrou ao cordão umbilical, para que ninguém o tirasse de lá.
Recentemente soube de uma existência com fatos ainda mais impactantes do que o meu ou do meu filho. Minha mãe ao nascer por parto normal, primeiramente colocou o braço para fora. A parteira foi obrigada a empurrar o pequeno bracinho de volta, minha mãe deu uma cambalhota e em seguida veio puxada pelos pés. A dor e a dificuldade do parto fizeram com que minha avó corresse para dentro de uma banheira logo após dar a luz. A parteira relatou que partos assim eram seguidos do óbito da criança. E eu finalmente soube que de todos os milagres, o maior deles era mesmo o de minha mãe.
Não consigo sequer imaginar a dor que minha avó sentiu. Também não consigo entender os desígnios da vida. Alguns chamam de destino, outros de Deus e ainda outros de acaso. Por fim, o corte do cordão umbilical nos desconecta apenas fisicamente, enquanto nossas almas parecem ficar interligadas para sempre.
O fato é que todas essas histórias não marcam apenas o momento do nosso nascimento. O milagre da nossa existência nos permeia por toda a vida. Refletimos e questionamos nossa existência, com as eternas perguntas: de onde viemos, para que viemos e para onde vamos.
Nascemos sem querer e simplesmente passamos a existir. E da mesma forma, um dia nos despediremos deste mundo.
Em mais um incrível e inexplicável milagre da vida.