Quando tinha mais ou menos quinze anos de idade, vivi uma situação desesperadora. Voltava a pé para casa à noite, na minha pequena cidade natal. Em minha inocência, ainda vestia roupas curtas, sem noção real do perigo que aquilo poderia significar. Apesar de não estar certa do ano deste acontecimento, sei muito bem que era dia vinte de outubro: aniversário de uma colega de escola.
Chegando em minha rua, a quatro quarteirões e meio de casa, logo na primeira quadra, eu vi um homem sentado. Ele parecia maltrapilho e por este motivo senti pena dele. Porém, em poucos segundos, aquele homem começou a me seguir. E ele era bem maior do que eu. Imediatamente eu comecei a caminhar mais rápido, percebendo que o homem fazia exatamente a mesma coisa. Eu estava já praticamente correndo, quando ele ia me pegar. Eu parei na frente da casa de um vizinho, que era namorado da minha colega aniversariante. E por isso, eu sabia que ele não estaria lá, pois estava na festa de sua namorada. Na rua, nenhum carro havia passado, não havia ninguém e tudo estava escuro. Os cachorros do meu vizinho vieram pra cima de mim. Eu olhei para o lado e o tal homem estava com a calça aberta, passando a mão em sua barriga. Ele estava pronto para me atacar, só aguardava o momento certo: ninguém daquela casa sairia para me salvar.
Em questão de segundos, um fusca desceu a rua e parou ao meu lado. Um senhor gritou para mim: _ “Entra, menina! Rápido!”.
Eu estava aterrorizada. Um homem estava a dois metros de distância com a calça aberta, após me perseguir por uma quadra e meia. E outro, que eu não sabia quem era, me mandava entrar correndo em seu carro. Mas o tom de voz daquele senhor era menos intimidador que a outra cena. Eu corri para dentro de seu carro e ele saiu em disparada me chamando a atenção: _ “Você não viu que aquele homem estava seguindo você? Eu sou amigo da sua mãe e posso ir a delegacia como testemunha, se ela quiser…”.
Ele me explicou que havia passado na rua de cima e tinha visto a perseguição, além de ter o conhecimento, de que aquele homem andava atacando outras mulheres na cidade. Assustada, cheguei em casa e contei aos meus pais o ocorrido. Minha mãe ligou para seu amigo e agradeceu sua excelente ação.
No auge de minha adolescência, acabei esquecendo o assunto por alguns anos. Vivi a minha vida sem sequer pensar no assunto. Acho que nunca quis imaginar de verdade, o que teria acontecido aquela noite, se não fosse o senhor do fusquinha.
Anos se passaram e muitas vezes desejei agradecer aquele homem novamente. Porém, morando sempre longe da minha cidade, meus pensamentos ficaram apenas na vontade de mostrar minha gratidão.
Ontem quando estava saindo da casa de meus pais para visitar uma nova amiga, que acabou se tornando muito especial para mim, minha mãe me disse: _ “Sabe, Carolina…, aquele homem que salvou você de ser estuprada, era marido dela (se referindo à minha amiga).
O anjo, que me protegeu aquela noite, já havia ido embora deste mundo. E eu nunca tive a oportunidade de agradecer a ele pessoalmente da forma como queria, mas pude contar essa história para sua esposa (agora minha amiga) e seu filho.
O que me mostra, que apesar daquela ajuda ter sido tão imediata e perfeita, e minha gratidão tão tardia, a vida se encarregou de fazê-la por mim.
Mais de vinte anos depois, eu pude contar a família dele, o herói que ele sempre foi e será para mim!
1 Comment
Emocionante!
Muitas vezes a vida se encarrega de nos pregar peças, e por elas deixar nosso testemunho, outras vezes um legado. No “Um quase estupro” um testemunho, e no gesto humano, o legado de um herói.