Quarta ou quinta-feira de manhã, já no trabalho, abro meu primeiro e-mail do dia. Meu amigo me informa que na semana seguinte teremos as piores temperaturas dos últimos dez anos em Curitiba. (Depois disseram que era dos últimos trinta e oito anos).
Não interessa! Notícia ruim é ruim independente dos comparativos. Respondi imediatamente: “Não me dê noticia ruim já cedo. Com licença, estou trabalhando…”.
Típica Curitiba, a temperatura até caiu devagar, como que num sarcasmo da natureza, nos desse uma gota de esperança de que as previsões estivessem erradas. Enfim, chuva forte no fim de semana (boa só pra dormir e ficar em casa) estragando os planos do desejado fim de semana no parque e na balada com roupas leves e confortáveis, vivendo ao ar livre aquela doce liberdade de sentir o ar gostoso na própria pele.
Eu definitivamente odeio frio. Não gosto de muitas roupas, aquecedores, lareiras e o diabo a quatro. Tive a mais absoluta certeza de que viveria bem toda uma vida sem qualquer resquício de inverno, depois dos seis anos que vivi na Alemanha. Meu trauma se tornou tão profundo, que qualquer sinal de frio, já vem aquela tristeza gravada na memória. Na Alemanha e em vários países da Europa, o frio é tão cruel, que lá existe o que se chama “Depressão de Inverno”. Não é brincadeira não. Para tal existe índice de suicídio, prevenção e tratamentos médico e terapêutico. O negocio é sério.
Inverno na Alemanha dura, para o que nós brasileiros sentimos e denominamos como inverno, cerca de oito meses. O inverno rígido, que chega a cerca de menos vinte graus (lembrando que nosso congelador tem a temperatura de apenas menos cinco graus. Compare!) dura pelo menos três meses. Nesses três meses não há sinal de qualquer coisa verde no país; tudo morre: não há grama, árvore, planta, flores ou qualquer sinal de natureza viva. Os pássaros se vão, não se ouve os sons de passarinhos cantando por vários meses. Além da escuridão total. Amanhece às nove horas da manhã, podendo se ver a lua ainda no céu, e anoitece as três horas da tarde. O céu fica ainda que durante essas seis horas do dia, completamente cinza, como se uma névoa nos cobrisse durante o dia todo durante muito tempo. O sol é algo que realmente fica ausente do país por semanas a fio, sem pausa. Parece cenário de filme de terror. E pra mim era mesmo. Se sair de casa era pior do que entrar e me fechar no meu próprio congelador, eu preferia não sair. E se às quinze horas já escurecia, meu corpo sentia sono, o que era biologicamente natural. A vida parece que literalmente para. Se espera o tempo passar sem qualquer esperança de melhora. Quem lá morou sabe, não há nenhuma trégua.
Com tudo isso que vivi, ainda sei que o inverno no Brasil (mesmo em Curitiba, que ainda por cima é chuvoso) é tão doce e curto quanto um feriado com chuva numa praia. Dá raiva, mas logo passa.
Mas trauma é trauma. A mente humana é complexa demais para se explicar. Eu, por mais desculpas e explicações que dê a mim mesma, não consigo me sentir animada num dia de frio, embaixo de cobertor. Posso até comer um fondue maravilhoso de queijo e chocolate, mas nada me tira da cabeça a vontade daquele frio passar.
Não gosto de frio. Saio num dia de chuva e me molho toda com muito gosto se estiver calor. Mas frio não suporto. Mas tenho uma boa explicação: frio pra mim não é só frio na pele, pés gelados e dificuldade de sair da cama. Frio pra mim é lembrança viva de algo que não era meu: o frio europeu, junto com a sua solidão e depressão de inverno vivenciada por aqueles cidadãos e depois por mim mesma. Frio pra mim é lembrança viva, que dói na alma, de algo que não queria ter vivido. E que por mais que eu explique, aqueles que não viveram, não entendem o quão sofrido pode ser um inverno fora do Brasil, país abençoado, onde inverno dura um mês ou pouco mais (que benção…).
Mas fica aqui a minha explicação para o fato de tantos comemorarem a possível neve de próxima quarta-feira, enquanto eu apenas me lamento em silêncio. Sob protesto vou retirar do fundo do armário a bota e o casaco de pele da Alemanha. Que não me interessa se são lindos e importados. Preferia mesmo era um chinelo havaianas e uma camiseta regata velha, com sol ardendo em minha pele, lembrando que aqui estou, no meu Brasil, e daqui não vou sair.
Se você curte, bom inverno pra você. Aproveite a rara neve no Brasil.
Eu estou esperando passar… com meu chinelinho havaiana nas mãos…