Ao mesmo tempo em que não temos tempo para nada, porque estamos sempre correndo, posso afirmar com toda certeza, que a vida se faz lentamente.
Sei que já acordamos às pressas e comemos algo prático para não perder tempo, assim como vamos lendo as notícias no meio do caminho, para mais um compromisso. Mulheres fazem suas maquiagens no trânsito, bem como executivos fazem reuniões no trajeto para suas empresas. Num dia igualmente agitado, interagimos com dezenas de pessoas, participamos de reuniões, decisões, comemos novamente de forma rápida e no fim do dia voltamos para casa: exaustos, pensando em como ainda aproveitar ainda aquele fim de dia, a fim de justificar toda uma vida. Por vezes praticamos um esporte ou nos encontramos com amigos. Fazemos um trabalho qualquer ou vemos televisão. Dormimos com a preocupação de estarmos descansados no dia seguinte, para mais uma vez enfrentar um ritmo alucinante, que tantas vezes nos leva a refletir se estamos no caminho certo. Vale mesmo a pena uma vida assim?
Os fins de semana são esperados com afinco e desejo, e quando os mesmos chegam, não passam lentamente como gostaríamos. Colocamos em dia os afazeres domésticos e pessoais, para os quais não temos tempo durante a semana. Com sorte vivemos um grande amor de fim de semana ou de vários. Nos divertimos numa balada, vemos um bom filme ou ainda permanecemos sozinhos refletindo os porquês de tudo isso.
Os meses passam e com eles os feriados e férias. Falando assim, parece tudo igual. A minha vida, a sua e a de todo mundo. Superficialmente acho que é isso mesmo, excluindo alguns que tem a sorte (?) de não precisar trabalhar tanto assim. Acrescentada a interrogação, pois por melhor ou pior que seja, tem sido sim o trabalho uma das coisas que mais nos dignifica e nos molda rumo à evolução de nós mesmos.
Porém, com tudo isso, ainda afirmo que a vida passa devagar. Somos distraídos se pensamos o contrário. Levam-se anos para entendermos nossos pais, outros longos anos para entendermos nossos filhos. Mais anos ainda para entendermos a nós mesmos e os vários dos quais nos tornamos com o passar do tempo.
Não apenas vivenciamos a nossa história em tempo real, mas a “revivenciamos” quando a refletimos anos depois. E repetimos a reflexão por tantas e tantas vezes, pois em cada momento nossa própria percepção se transforma, se aguça.
São com os anos que damos valor aos amigos e entendemos o peso que eles têm em nossas vidas. É através de décadas vividas que nos tornamos capazes de olhar para traz e entender milhares de coisas. Nada acontece da noite para o dia, naquele turbilhão que vivemos no dia-a-dia descritos nos primeiros parágrafos deste texto. A vida que carrega significados se faz em anos, e não em dias, horas ou instantes.
Ainda que alguns instantes mudem todo o decorrer de um caminho, o que este momento significa, leva-se anos para se compreender de verdade: uma morte, uma traição, uma dor daquelas que ferem a alma e as reações que tivemos diante disso.
É através dos anos que se torna possível entender a dinâmica de nossa própria família. Por que uns se comportam assim e outro se comportam “assado”. A história por trás dos nossos: suas dores escondidas. As nossas dores escondidas. Tudo aquilo que não se fala. E a imensidão em que este silêncio se torna com o decorrer do tempo.
Levamos anos para entender um pouquinho dessa vida, um pouco do que somos e do que tudo isso significa.
Nasce um hoje, morre outro amanhã. Os que ficamos sentimos as perdas e os ganhos. A intensidade da vida é tamanha, que não sentimos seu verdadeiro impacto num único momento ou em vários dias.
E no fim entendemos, que necessitamos mesmo de tempo para conhecer e compreender o verdadeiro significado de viver: amar, sofrer, crescer indefinidamente, tornando-nos novos incontáveis vezes.
Corremos sim no nosso dia-a-dia, feito loucos e sem tempo. Para depois perceber o quanto tudo isso se torna ao mesmo tempo rápida e lentamente uma grande vida, com todas as suas histórias, dores e amores.
A vida se faz em vários ritmos e todos ao mesmo tempo. A nós cabe acompanhá-la e treinar a própria percepção.
Um milagre e várias lições, todos os dias.